Segunda-feira, Maio 20, 2024
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A Conspiração do Cairo: o olhar por detrás da porta da Mesquita

Talvez não se tenha feito ainda uma abordagem tão aberta e esclarecedora ao tema das lideranças político-religiosas do Egipto quanto esta incursão do sueco, de descendência egípcia, Tarik Saleh. Ou até em outro país muçulmano. Provavelmente, porque essa ousadia por certo chocaria a montante com as previsíveis vibrações de censura. Razão pela qual esta Conspiração do Cairo merece a nossa atenção. E mais até do que a mera curiosidade de um filme que desafia os tabus e os segredos da religião que estiveram na origem do início das revoltas ocorridas na Praça Tahri e o início da Primavera Árabe.

Bem andou Saleh ao captar a pulsação nos bastidores destes centros de poder. De resto, uma abordagem narrativa devidamente reconhecida pelo júri do último festival de Cannes que lhe outorgou o respetivo prémio de argumento.

O filme arranca bem com a disposição do hermetismo que pune de forma exemplar as mais banais liberdades  – como fumar um cigarrinho às escondidas do pai. Sobretudo depois do protagonista Adam (Tawfeek Barhom), um jovem taciturno que privilegia o pensamento, saber que ganhou uma bolsa para estudar na prestigiada universidade Al Azhar, no Cairo, considerada a grande Meca do novo Islão, promotora do mérito e do pensamento.

A Conspiração do Cairo (Leopardo Filmes)

Apesar de contrariado, o ortodoxo pai lá assume que foi abenloado por um ‘boy from Heaven’ (o rapaz abençoado por deus), resignando-se à sua partida. É aí que o ar de desamparo comovente no olhar do Adam se revela ajustado, e se funde até com o do espectador, ao ultrapassar a porta de Al Azhar – apesar de Saleh ter sido forçado, por motivos óbvios, a recriar a mesquita em outro lugar, no caso, em Istambul.

A intriga adquire nova espessura e direção, em grande parte, pelo papel intrigante concedido ao coronel Ibrahim (desempenhado com eficácia por Fares Fares, o ator sueco de origem libanesa revelado em 2000, em Jalla! Jalla!), responsável por conferir à intriga esse lado de thriller que permite auscultar as intenções nefárias das instituições locais. Em particular, os segredos impuros do futuro Imã, o líder da comunidade islâmica local.

O principal mérito deste registo labiríntica é o de navegar por caminhos muito pouco trilhados pelo cinema, facilitando uma proximidade ao secretismo islâmico. Mesmo quando a evolução da trama derrapa para uma dimensão cada vez mais ocidentalizada nos seus processos de corrupção interna, bem como dos seus vícios intrínsecos – basta pensar apenas nos mais recentes escândalos ambientados no seio da igreja católica.

É um pouco por aí que o tal olhar de rookie se torna mais habituado, sobretudo quando passa a conviver com alguns clichés do género do thriller político. Algo que retira a esse olhar uma boa parte da intensidade inicial.

Paulo Portugal
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