Segunda-feira, Abril 29, 2024
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MDOC testemunhou os ventos de mudança da sociedade iraniana

O festival MDOC revelou uma fornada de novos talentos do cinema iraniano. Por aqui passaram os ventos de mudança de uma sociedade em transição.

Há uma revolução feminina em curso no Irão. São elas que tiram o hijab no meio da rua e protestam pelos seus direitos mais básicos, mas também pegam numa arma para defenderem o seu país, se isso for necessário; mas, seguramente, numa câmara para documentar a realidade. Esta é uma geração bastante promissora de realizadores e produtores que tem do seu lado a juventude aliada à memória do sempre vibrante cinema iraniano.

Silent House (Farnaz Jurabchian, Mohammadreza Jurabchian)

Durante o recente festival de documentário, MDOC, em Melgaço, de 31 de Julho a 6 de Agosto, tomamos contacto com um conjunto demasiado interessante de cineastas, com a particularidade de auscultarem de uma forma atenta e expressiva a vibração que se sente em alguns setores desta sociedade patriarcal, bloqueada por sanções internacionais. Desde logo, impressionou a escavação da memória familiar e do passado do Irão operada por Farnaz Jurabchian, no muito conseguido Silent House, de resto, um filme vencedor do prémio Dom Quixote; ou quando a dança e as canções se calam e cedem espaço à arma automática em combate por uma causa, como sucede no avassalador Dreams Gate, de Negin Ahmadi. Por sinal, ambos filmes produzidos pela jovem Elaheh Nobakht.

‘Dreams Gate’: a guerrilheira em pausa

Tivemos a oportunidade de falar com ambas, em Melgaço, em que descobrimos alguns dos valores desta nova vaga do cinema persa. Como a indiana Sreemoyee Singh, natural de Calcutá, rendida à poesia e aos valores por que lutam as mulheres no Irão. Algo que exprime no maravilhoso filme And, Towards Happy Alleys, igualmente apresentado no festival, documentando a sua experiência pessoal, em que esta se confunde com as sementes de contestação que germinam em Teerão. É nesta sociedade eminentemente patriarcal que contornam as dificuldades na defesa de uma liberdade criativa que lhes diz diretamente respeito.

Jafar Panahi em ‘And, Towards Happy Alleys’

Além destas, deixaram ainda a sua marca duas curtas intensas: I was Born in 1988, de Yasaman Baghban, e Three Sisters, de Iman Behrouzi, a primeira cruzando a data do nascimento da realizadora com o ano em que ocorreu no Irão uma série de execuções de prisioneiros políticos, na sequência da guerra entre o Irão e o Iraque, e a segunda, na evocação do local onde três irmãs adultas decidiram cometer um suicídio coletivo.

Aproveitámos a presença de novos talentos que parecem ter já um destino de aceitação traçado, como Farnaz, Elaheh e de Sreemoyee, para auscultar em discurso direto os seus anseios, preocupações e, acima de tudo, as motivações criativas e vontade de mudar o statos quo no Irão.

Há ainda um elemento de curiosidade que torna este encontro ainda mais urgente. Sobretudo após o impacto que tivemos com o trabalho de Bahram Beyzaie, considerado um percussor da revolução iraniana, apenas algumas semanas antes, em Bolonha, onde dois filmes seus – Gharibeh Va Meh/The Stranger and the Fog (1976) e Tcherike-ye Tara/Ballad of Tara (1979) – foram considerados as maiores descobertas contexto do festival Il Cinema Ritrovato.

Sobretudo porque dois dias mais tarde haveríamos de contactar, já no festival de Karlovy Vary, com um valioso showcase de nove filmes do novo cinema iraniano, intitulado Another Birth. Iranian Cinema, Here and Now, incluindo alguns filmes que poderão dar que falar. E onde esteve presente Dream’s Gate. Falamos de Black and White Rive, de Farzin Mohammadi, Creation between Two Surfaces, de Hossein Rajabian, K9, de Vahid Vakilifar, Locust, de Faezeh Azizkhani, No End, de Nader Saeivar, Zapata, de Danesh Eghbashavi, bem como a estreia dos irmãos Bahram e Bahman Ark, com The Skin, e ainda Trip to the Moon, de Mohammadreza Shayannejad, uma outra estreia.

No final, fica a imensa vontade de conhecer ainda mais o cinema – das raízes às novas sementes – deste país do Médio Oriente. Pois foi um prazer conhecer a Vossa Casa.

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