Quarta-feira, Abril 24, 2024
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Chico o Artista Brasileiro que encantou para o povo

Sejamos claros, Chico – Artista Brasileiro não é, nem pretende ser, nenhuma obra-prima do cinema documental. O filme de Miguel Faria Jr., autor de O Xangô de Baker Street (2001) ou Vinicius (2005), opta claramente pelo registo da homenagem ao enorme artista – na mesma medida em que fez com o poeta Vinicius -, acompanhando de forma serena, mas com uma noção profunda de espectáculo, a comemoração dos 50 anos de carreira de Francisco Buarque de Hollanda. Chico chega hoje às salas, numa distribuição da Nitrato Filmes, e pode muito bem ser um bálsamo que nos embale em tempos de inquietação.

“Acho que tudo é memória. A musica que você faz, que você escreve, você trabalha com a memória. É claro que a memória se confunde um pouco com a imaginação”, refere Chico Buarque logo no início. Um trajecto em que a memória se confunde também com a ficção, ou a lenda, pela recordação que o cantor brasileiro faz do irmão alemão, fruto de uma relação furtiva quando o pai estivera na Alemanha, levando-o a uma investigação e até à publicação de um livro. Aliás, apesar de ser um dos maiores artistas da MPB, Música Popular Brasileira, Chico Buarque não deixa de assumir que a literatura é mesmo o seu verdadeiro norte.

Esta homenagem está bem vincada na memória e na música, mas também na vida e na cultura brasileiras. Naturalmente, Chico não esquece a ideia de uma música marcada pela democracia, pois sublinha que sempre escreveu para o povo. Apesar de ser oriundo de uma família privilegiada e instruída, reconhece o embaraço por pertencer a uma elite de músicos (como Vinicius, Caetano, Jobim e outros) cuja música acabou por representar o Brasil.

São também valiosos os documentos de época que permitem viajar a um tempo em que a censura dos “anos de chumbo” da ditadura militar, desde meados dos anos 60, interferiu da sua criação com a consequência de ver inúmeros temas ‘vetados’. Recorde-se que Buarque participou no que ficou conhecido pela ‘passeata dos 100 mil’ e recordou ainda o espetáculo Roda Viva que acabou suspenso pelo seu radicalismo, em que o ídolo da peça é devorado pela engrenagem, fazendo com que as senhoras da primeira fila fossem atingidas pelo sangue de verdadeiro de animal exibido em palco.

Com segurança, o filme de Miguel Faria Jr. funde esses momentos históricos, com belas imagens de arquivo que engloba com números musicais actuais, incluindo, por exemplo, a fadista Carminho, a solo e com Milton Nascimento, entre outros, como Monica Salmaso, Péricles ou Adriana Calcanhoto num dueto com Martnália.

Mas é sempre ele, Chico que inevitavelmente nos seduz pelo seu enorme talento, a voz doce e penetrante e até o verde dos seus olhos. Não só como artista musical, mas também a mostrar dotes futebolista, ele que jogou com Bob Marley, mas também mostrou dotes de ponta de lança na equipa dos amigos de Luís Figo.

Numa altura de enorme ansiedade política e social, talvez o conteúdo e a serenidade poética do Artista Chico Buarque nos permita perceber “onde está o povo”.

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