Sexta-feira, Abril 26, 2024
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Berlinale: Jorge Jácome reflecte sobre as diferentes dimensões do real

Em Super Natural (Fórum) Jorge Jácome deslumbra-nos com um cinema sensorial, ao mesmo tempo que nos dá inesperados reflexos de uma vida entre o real e o virtual. 

O cinema português está de ótima saúde. Pelo menos, a julgar pelo relevante conjunto de oito filmes selecionados para a 72ª edição da Berlinale, nas diferentes secções, revelando uma relevante diversidade de propostas. Sobretudo pelo duas que já pudemos conhecer, e que revela uma fascinante maturidade de ideias e capacidade produtiva.

Há uma experiência de cinema que temos de vivenciar em Super Natural, a primeira longa metragem de Jorge Jácome. No fundo, um cinema que cria a sua própria geografia, surge do invisível e indizível e vai muito para além da imagem e nos toma a pulsação. Assume-se uma voz interior (a sua?), como se conversasse, questionasse, questionando.

No fundo, como um prolongamento das suas curtas, sobretudo Past Perfect, que o trouxe a Berlim, em 2019, e que brinca com as ideias de tempo, o tal presente e o tal past perfect, aquele que diz ‘Before was better’. Mas liga-se também com um cinema que faz perguntas e usa a ironia para questionar o “antes das ‘fake news’ e o ‘click bate'”. Mas Jácome deu um passo em frente, apesar de já ter sido avassalador e até ter previsto o vírus… (zika). De certa forma, continua a existir um lado scy fy que nos conquista. Como o cinema do espanhol Miguel Llansó.

Preparados para a experiência?, poderia ele inquirir. Porque é, de facto, uma experiência totalmente sensorial que nos serve. No limite do terapêutico. Depois das Flores dos Açores, o Super Natural, que mantém o mesmo tom púrpura das hortênsias na Madeira, mas cujo objecto se reflecte numa dimensão muito mais profunda e que nos interpela a diversos níveis. Isto porque a mensagem dirige-se a um nível que não é o da mera percepção natural, mas antes ao nosso próprio interior. De tal maneira que não podemos deixar de pensar em Apichatpong, sobretudo no novo filme Memória, e no tal cinema que se passa mais numa dimensão interna e mental. Quase como um filme de terapêutico, como um convite a ‘dar o salto’, a experimentar o transcendente.

São sinais elétricos que nos interpelam com pequenas legendas: “estás aí?”, para mais adiante segredar “deixa-te relaxar na poltrona”, “estamos a influenciar-nos em conjunto”. Ou até “porque não fizemos isto mais cedo”. A liberdade cinematográfica é total, até mesmo para ‘brincar’ com as legendas. Mas até pode interpelar-nos: “não está a ver a ideia?” “queres que se faça um desenho?”.

O filme fez parte de uma residência na Madeira, em 2020, num projecto do Teatro Praga em colaboração com os intérpretes da companhia madeirense de dança inclusiva Dançando com a Diferença, conjugando pessoas com e sem deficiência.

A estreia mundial ocorre no dia 11, no Fórum, uma secção não competitiva, dedicada à exploração de diferentes caminhos estéticos explorados pelo cinema, seja analógico, digital, bem como o campo performativo ou a instalação. Na verdade, é justamente o campo da performance que é aqui explorado, numa atitude de comunicação interior com o espectador, invocando todos os sentidos. É como se escuta a certa altura: “eu sou uma história que começa quando as outras acabam”.

 

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