Terça-feira, Março 19, 2024
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Olivia Colman e a “mãe desnaturada” de ‘A filha Perdida’

Estivemos quase um par de horas dentro do corpo de uma mulher. Sim, relativamente perdida. Mas soube estranhamente bem. Primeiro, porque vimos (melhor revimos) a adaptação que Maggie Gyllenhall fez para a Netflix de The Lost Daughter, de Elena Ferrante. Diga-se, uma estreia na realização muito conseguia. Já o livro resgatou-nos um tempo mais pausado. É verdade, primeiro foi o filme, depois o livro. Aliás, quase se tornou numa demanda obrigatória. De resto, diga-se, foi um filme visto em casa, na televisão. Com o screener (e o livro) enviado pela Netflix. Apetece acrescentar que se trata de um ótimo exemplo de cinema feito para televisão – sim, nem tudo tem de ser passado (nem deve) no grande ecrã.

O filme abre com um plano fugidio – quase não se dá por ele – de Leda à deriva na praia de areia grossa, com o vestido manchado de sangue no lado. Uma ponta para ligar o final. Até que cai para o lado. Só depois o corte para a sua chegada animada de automóvel ao resort de férias, algures das ilhas gregas, provavelmente em Hydra, onde Leonard Cohen esteve em 1960. E não na região napolitana evocada por Elena Ferrante. De resto, mantém o cuidado de manter-se ligada a esse ritmo interno tão feminino. Ao novelo de memórias, aos tempos de jovem mãe e investigadora académica, bem como aos demónios interiores que agora a acordam um gesto de inesperado egoísmo.

Olivia tem aquele naturalidade em que basta fazer um pequeno gesto com a boca e as sobrancelhas, ou apenas sorrir mostrando as gengivas, para conferir uma tremenda verdade à personagem. Seja ela uma rainha, mas sobretudo uma pessoa comum. Como Leda, a mãe de duas filhas que revive o seu passado observando uma família em férias. Poderia ser o alimento para uma novela, como a que Ferrante escreveu. Ou a inspiração para um novo ano académico. Colman sabe sempre ser a personagens em tocos os momentos. Por isso, uma vez mais, será uma doas nomeadas aos prémios máximos do cinema. Pois ela é uma das maiores.

Percebe-se o cuidado de Maggie Gyllanhall em mostrar-se próxima da letra da narrativa. Mesmo quando embrenha leitor e espectador nos mundos paralelos de uma Leda de 40 anos e a sua visão de si quando as suas filhas eram ainda crianças. Os medos, as ansiedades, de perder a filha, bem como todos os contornos escondidos, a pressão do trabalho, o egoísmo, as prioridades. Ou seja, que memórias funestas levam uma “mãe não natural” – ou desnaturada? – a guardar a boneca perdida da menina na praia? É isso que se descobre neste filme de emoções subterrâneas.

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