Terça-feira, Março 19, 2024
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Terra Estrangeira: Já não podemos regressar a casa

Por vezes mais importante do que conhecer o filme mais palpitante do momento, pode ser que algo do passado encerre uma razão de cinema bem mais acertada. Será até esse chamamento ou eco que nos remete frequentemente para o ‘anjo da História’, de Paul Klee, mas também do uso que dele fez Walter Benjamin, que se liga de uma forma feliz à chegada de Terra Estrangeira, o primeiro trabalho em parceria de Walter Salles e Daniela Thomas, que, em 1996, nos ajuda a perceber como era o Brasil de Color de Melo e uma Lisboa, antes ainda da Expo 98.

Seguramente, um filme que nos facilita esse olhar sobre um passado, mais ou menos recente, de uma Lisboa ainda com foros de ‘cidade branca’, como refere Fernando Alves Pinto, ou Paco, o brasileiro que acaba por passar por Lisboa, em trânsito, à procura do seu El Dorado, mais a norte em Donostia, ou San Sebastian. Pelo caminho encontrando Alex (Fernanda Torres, já como actriz consagrada), também ela uma ‘estrangeira’ desenraizada e deslocada, a limpar mesas do Ritz Club, o tal’ cabaré das colónias’, e crispada pelos problemas do ‘sotaque’.

E como é bom regressar a esta ponte de universos tão distantes (e tão próximos), numa fotografia que só acentua o preto e o branco, sublinhando assim os traços da selva de pedra de São Paulo e as pedras da calçada de uma Lisboa de marialvas. Que o digam as personagens de Miguel Guilherme, João Grosso ou mesmo Filipe Ferrer. Sá contrastando com a doçura paciente de João Lagarto, no alfarrabista sempre pronto a ajudar, ou na justa medida que Canto e Castro sempre imprimiu às suas personagens, como aqui no porteiro da pensão com vista para o Tejo.

Perecebe-se a intenção de Salles e Thomas em resgatar os preços esbatidos da herança demasiado desfocada daqueles que ousaram ir procurar uma Índia ao lado do cabo do cabo da Roca e tenham dado de caras com o Brasil. É também essa viagem que talvez Alex e Paco façam neste filme que acaba por assumir um lado noir e finde a segredar-nos que já não é possível voltar a casa, como nos filme de Nicholas Ray. Não faz mal, fica o enorme prazer desta descoberta assinalada pela Nitrato Filmes que importa descobrir, em cópia restaurada, mas que mantém o grão da película.

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