Terça-feira, Março 19, 2024
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Benzinho – o retrato de uma família em ebulição

Chega com algum atraso, mas chega, este Benzinho, concretizando a segunda longa metragem de Gustavo Pizzi (depois de Riscado, em 2010). Em grande parte, graças ao empenho da Nitrato Filmes, de Américo Santos, que nos tem revelado o que de melhor o cinema brasileiro vai produzindo. Poderemos até argumentar que se trata de uma verdadeira teimosia em recuperar um título já com mais de dois anos, uma vez que Benzinho nasceu para o mundo no início de 2018 (ano da eleição de Bolsonaro), desde que passou concurso em Sundance, tornando-se depois num queridinho dos festivais internacionais onde conquistou alguns prémios relevantes.

O facto de Benzinho abordar a realidade de uma família numerosa de classe média baixa de um subúrbio do Rio de Janeiro nem será novidade, já que o tema é habitualmente trabalhado tanto pelo cinema como a televisão, naturalmente refletindo as acentuadas diferenças sociais do maior país da América Latina. Seja como for, percebe-se uma necessidade de demarcação do pequeno ecrã, de resto bem conseguida, já que a sua trama poderia facilmente descambar para um território menos apetecível.

Do que nos fala então Benzinho? Precisamente do lado carinhoso familiar, sobretudo maternal, na dificuldade em Irene (Karine Teles) lidar com o afastamento de um dos membros desse corpo familiar. Sobretudo desde que o filho mais velho Fernando (Konstantinos Sarris) vence o campeonato local de andebol e é convidado para jogar na liga alemã. O lado de filme em família foi também alargado pela participação dos gémeos Artur e Francisco Pizzi (filhos de ambos).

Até aí esse corpo manteve-se coeso graças a uma prestação desenhada à medida de Karine Teles (ex-mulher de Gustavo Pizzi), uma das atrizes que melhor tem interpretado essas narrativas de gente comum para lá da fronteira da telenovela. Aliás, vimo-la ainda recentemente num papel secundário em Bacurau, de Kléber Mendonça Filho, apesar de muitos a conhecerem também de Que Horas Ela Volta, assinado por Anna Muylaert, em 2015. Por sinal, um filme que mantém algumas afinidades com Benzinho, desde logo pela possibilidade de Karen em inverter o seu papel com o da protagonista Regina Cassé, permitindo-lhe agora a assumir ela o papel de mãe e empregada, quando antes era a patroa rica. Não deixamos até de sentir alguma proximidade com o cinema de Ken Loach, sobretudo pela forma carinhosa como o britânico trabalha o ambiente familiar, em particular no último filme Passamos Por Cá. Embora com a particularidade do filme de Loach ser posterior ao de Pizzi em quase um ano.

Pena é que Benzinho assuma a vontade de não correr riscos, acabando por se circunscrever (e no fundo,  esgotar) na dinâmica da mãe-coragem ignorando outros fios narrativos, apenas aflorados sem verdadeiramente serem problematizados. Referimo-nos, por exemplo, ao problema da precariedade e sonho laboral do marido Klaus (Octavio Muller) ou ao elemento de  violência doméstica sofrido pela irmã de Karen (Adriana Esteves). No fundo, uma vontade imensa de um realismo naturalista, mas que acaba sublimado pela absorção dramática de Karen Teles, sobretudo pela forma como a câmara se deixa envolver pela sua tremenda capacidade em absorver esse naturalismo doméstico.

A partir de hoje, dia 26, Benzinho pode ser visto no cinema Ideal (Lisboa) e no Trindade (Porto).

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