Sábado, Abril 20, 2024
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Glamour e eutanásia e política a abrir o festival de San Sebastián

Seberg

Sim, foi mais ou menos essa a receita servida nesta abertura da 67ª edição do festival de San Sebastian, o principal evento cinematográfico espanhol, a decorrer nesta cidade basca até ao próximo dia 28. Por ordem, o rosto ‘crepuscular’ de Kristen Stewart foi o mais desejado pelas selfies dos festivaleiros, na ânsia de fixar um momento com a atriz californiana, a propósito do filme em que recupera o período em que Jean Seberg (a companheira de Jean-Paulo Belmondo em A Bout de Souffle, na estreia de Jean-Luc Godard, em 1960) foi objecto de uma ‘guerra suja’ por parte do FBI, em 1968, por ter demonstrado o seu apoio aos Panteras Negras. Depois da sua passagem em Veneza, Seberg, do australiano Benedict Andrews, foi exibido em Sen Sebastián na secção ‘Pérolas’.

Blackbird

Talvez esse momento de ‘glamour’ fosse adequado (e daí talvez nem tanto) para temperar o lado mais pesado do filme de abertura. E deixámos ‘nem tanto’ em parêntesis porque apesar de Blackbird evocar o tema da dignidade da eutanásia, o sul africano Roger Michell encarrega-se de gerir as emoções acabando por enviar o filme para um género próximo da comédia. Essas são mesmo as piores notícias, porque se percebe que, afinal de contas, esta adaptação de Bille August – cujo filme Silent Heart que vimos precisamente San Sebastian, em 2014 -, é apenas uma oportunidade para explorar essa torrente de emoções familiares. Onde existia alguma frescura e sensibilidade, percebe-se que o realizador de Notthing Hill parece mais interessado em adocicar e dirigir o material a um público mais vasto, replicando clichés num ritual previsível, em que as circunstâncias desta mulher que decide juntar a família para anunciar a sua decisão de morte com dignidade antes de perder as faculdades físicas e cognitivas nunca passam de uma emoção requentada. É claro que neste registo, tanto Susan Sarandon, no papel central, como Sam Neil, no marido; também Mia Wasikowska e Kate Winslet fazem o que podem e sabem neste melodrama xaporoso armado em comédia romântica.

Adults in the Room

Felizmente, tivemos dois bons registos do cinema da política. O primeiro, Adults in the Room, integrado na secção dedicada ao prémio Donostia a Costa-Gavras, no registo que faz do resgate financeiro da Grécia em 2015, depois das eleições ganhas pelo Syriza, a partir do livro do na altura ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, com um perfeito mimetismo de Christos Loulis nessa desgastante negociação com a Troika; o outro é Mientras dure la Guerra, de Alejandro Amenábar, a debruçar-se na recordação do apoio impreciso do escritor Miguel de Unamuno (Karra Elejalde) ao golpe militar que catapulta o general Franco ao poder, mas também perceber como as motivações da escolha (e do talento) de Franco seriam apenas limitadas ao ‘período de guerra’, tal como foi redigido num documento oficial que seria entretanto rasurado, permitindo-lhe manter o cargo de caudillo até à sua morte em 1975.

Se de um lado, o grego Costa-Gavras encena com algum virtuosismo um período histórico desta política grega (e europeia, pelo menos seguramente mais próxima da realidade portuguesa) ensaiando para o grande formato a tragédia grega com acentos de shakespeareanos que muitos acompanharam pelo pequeno ecrã; de uma forma bem distinta, o cineasta espanhol opta por rasgo histórico épico embora sem nunca abandoar um certo academismo que acaba por afetar o filme. Ainda assim, fica a recuperação do período da Segunda República, entre 1931 e 33 até à guerra civil. Seguramente, dois filmes vitais para a compreensão o estado de coisas da atual política europeia, que merecem ser vistos e debatidos.

Mientras dure da Guerra
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