Quinta-feira, Março 28, 2024
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Berlim: Serpentário de Carlos Conceição invade o Fórum à procura da mãe

Um dia depois de Rita Azevedo Gomes, foi a vez de Carlos Conceição trazer a Berlim, e de novo ao Fórum, Serpentário, a estreia em longo formato. Quanto à competição, outra estreia, a da alemã Nora Fingscheidt, no relato frenético de um caso limite de hiperatividade, em System Crasher. E ainda com a contribuição regular de François Ozon. No caso, a versão para cinema sobre o escândalo de pedofilia que envolve ainda a igreja francesa. O filme chama-se Grâce à Dieu, que pode ser traduzido por Graças a Deus.

Comecemos por Serpentário, o trabalho muito pessoal de Carlos Conceição que o levou a estender a sua dinâmica de curtas metragens ao universo do grande formato. Aqui com o inevitável João Arrais (já depois de O Soldado Milhões e de Coelho Mau, a última curta de Conceição) a assumir o corpo do cineasta nesta procura da alma da mãe. No, início uma legenda informa que o realizador nasceu em África, mas veio para Portugal na adolescência, mas não a mãe que lá ficou. Explica ainda que queria adotar um pássaro que viveria durante 150 anos, mas apenas se o filho tratasse dele quando ela morresse.

É esta a sina da personagem que desembarca nas planícies de África, e vagueia por esse território onde apenas encontramos alguns nativos e a voz da mãe (Isabel Abreu) implorando que a venha procurar. Esta será uma viagem intemporal, entre o passado e o futuro, trabalhada com algum humor, em que o texto em off do próprio realizador recorda os feitos dos navegantes portugueses que, como ele diz, pontuavam a costa com aqueles ‘calhaus’ envergando a nossa cruz emblemática. Invoca ainda astronautas em naves retro, desertos e cidades, cenários de eventuais super-heróis ou mesmo westerns credíveis, ainda que sempre atravessados por este rapaz de ténis Adidas e uma t-shirt com uma caveira estampada.

Percebe-se que em Serpentário existe ainda o corpo de uma curta metragem, embora o seu escopo e intenções sejam demasiado grandes e valiosas para essa redução. Certo é o valor seguro do seu cinema feito de sonho e encantamento. Depois de Sandro Aguilar, André Gil Mata e João Viana, o ano passado, foi a vez de Rita Azevedo Gomes e Carlos Conceição deixarem a sua marca no Fórum. Falta ainda a Jorge Jácome impressionar o júri de curtas com Past Perfect.

Entre a hiperatividade e a pedofilia

System Crasher

Antes ainda de Conceição, a manhã havia começado cedo demais e da forma mais avassaladora, com um filme que tornou desnecessária aquela dose adicional de cafeína. Pois desde o primeiro minuto que o coração bateu forte ao mergulhamos no ritmo e adrenalina de System Crasher, e de Benni, a indomável menina, maria-rapaz, de nove anos que desafia os limites de sucessivos sistemas de proteção infantil que se recusam a aceitá-la, isto depois da incapacidade da mãe em a manter no seu agregado. Impressionante é mesmo a energia contagiante da jovem atriz Helena Zenger.

No fundo, esta viagem a um caso limite de hiperatividade infantil foi o risco assumido por Nora Fingscheidt (que também assina o guião) e o corolário da experiência que teve durante várias semanas em diversos centros de acolhimento infantil, num projeto iniciado quando ainda estava na escola de cinema.

Naturalmente, ao partir para esta história, Nora estava ciente de uma atitude estética igualmente vigorosa, em que o uso da câmara à mão se tornou regra aliado ainda ao ritmo tecno alucinante da banda sonora que assim rima com o batimento cardíaco descontrolado desta autêntica força da natureza. Mesmo tratando-se talvez de um título mais adequado à secção Geração, dedicado a temas juvenis, percebe-se a sua ‘promoção’ à Seleção Oficial, nem que seja para chamar a atenção sobre o drama da hiperatividade e para que possa ser debatido numa montra mais alargada.

Grâce à Dieu

Esperava-nos em seguida o dedo acusatório de Ozon apontado à igreja pelos pecados repetidos de pedofilia em Grâce à Dieu. Trata-se da dramatização da história verídica do padre Preyant, disponível para que desejar numa qualquer pesquisa no Google ou no sempre atento Correio da Manhã.

Afinal de contas, o que Ozon faz é o tratamento e a dramatização dessas notícias. E com toda a legitimidade, se bem que sem acrescentar nada de muito relevante ao assunto que dominou atenção desde a condenação do sacerdote em 2015, mas que ainda este ano fez correr tinta no Vaticano.

Ozon tem pressa e filma rápido. Embora pouco acrescente ao escândalo que abalou a muito católica e conservadora sociedade de Lyon. Ficamos assim com um filme asséptico sobre o poder da oração como desinfetante da alma. Ainda assim bem defendido com a segurança habitual de Melvil Poupaud, além de Denis Ménochet, que vimos recentemente em Custódia Partilhada.

 

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