Quinta-feira, Março 28, 2024
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Utoya, 22 Julho: reviver os 72 minutos do massacre na Noruega

Paradoxalmente, ou talvez não, Utoya, 22 de Julho chega aos nossos cinemas num momento em que ainda se sentem as reverberações dos ecos do ódio racial e xenófobo, aliadas a um certo discurso político que perdeu a vergonha em se afirmar como sendo de direita. Mesmo quando não renega o pior de todos os extremismos.

Talvez por isso, a estreia deste filme convide o complemento de 22 de Julho, o filme de Paul Greengrass, ainda que o cineasta britânico tenha mantido um título praticamente igual ao do norueguês Erik Poppe, sobretudo por este ter sido exibido na competição do festival de Berlim, em fevereiro passado. Seja com for, parece ter chegado a hora de encarar de frente este brutal massacre em que morreram mais de setenta pessoas, na esmagadora maioria jovens, diante da mira do terrorista Anders Breivik que se quis tornar numa versão pop do mais refinado extremismo. Pese embora a proximidade dos títulos, os dois registos acabam por se conjugar e oferecer mesmo uma visão mais global da tregédia.

Ao contrário da visão mais espetacular e exploratória de Greegrass, Erik Poppe propõe o choque a partir da reconstituição daquele momento fatídico vivido por meio milhar de adolescentes cujo acampamento de verão se converteu num inferno de proporções inimagináveis. De resto, a serenidade póstuma do trailer contrasta com o stress que se vive durante esta experiência radical.

Rodado em tempo real e num único plano, o filme relata o que aconteceu depois do atentado no centro de Oslo e centra-se nos 71 minutos de horror do ataque de Breivik aos jovens no acampamento. O que vemos foi um dos cinco planos que Erik Poppe filmou, um take por dia, de segunda a sexta, acabando por selecionar depois um deles.

Diz-nos a história que 77 perderam a vida pela mira do extremismo de direita, deixando uma ferida difícil de apagar numa nação pacifista e talvez até por isso impreparada para responder como devia a esta catástrofe.

Depois de ponderar o regresso a este tema, Poppe (A Escolha do Rei, 2016) optou por uma reconstituição do evento que se centrasse num misto das inúmeras testemunhas, evitando assim o foco apenas na experiência de alguns. Uma forma de conservar o respeito e não se tornar parcial.

E assim ganhamos ou ficamos a perder? A verdade é que o filme agarra-nos de imediato, sobretudo quando percebemos que a câmara nunca mais vai parar. Em particular quando começa o tiroteio. Só que, quem pensa que vai gozar com o ‘shoot’em up’ está enganado. Isto porque a opção vai centrar-se nos momentos passados nos pequenos ninhos de jovens escondidos na ilha de Utoya. E os tiros que começam por ser avassaladores resvalando depois para uma dimensão de foto de artifício ao longe, já que ouvem-se sempre ao longe sem um contacto mais direto. Em particular, o filme segue a jovem Kaja (Andrea Berntzen) na sua deriva, tentando salvar a pele e ajudando quem pode pelo caminho, sem nunca perder de vista o objetivo de encontrar a irmã mais nova.

É um filme choque, de suspense avassalador, se bem que o impacto inicial acaba por esmorecer e redundar em alguns momentos menos conseguidos, embora sempre bem captados pela câmara incansável que espelha o medo deles, o nosso medo. Compreende-se, e aplaude-se, a ideia de não ser um filme exploratório daquela torrente de violência, embora um excesso de pudor o deixe ficar refém de uma narrativa que acaba por não ser totalmente satisfatória. Ainda assim, dificilmente deixará de ser um pequeno fenómeno e uma referência de algum arrojo técnico.

 

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