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22 de Julho: A tragédia de Utoya segundo Paul Greengrass e a Netflix

Pode ser visto em Portugal, desde o dia 10 de Outubro, na Netflix

Em 22 de Julho revivemos o massacre na ilha de Utoya, na Noruega, em que Anders Breivik, o radical de estrema-direita, matou 77 pessoas. Mas este é também um relato sobre o trauma das famílias das vítimas e dos sobreviventes, sem esquecer o julgamento de Breivik.

Foi um dos selecionados para o festival de Veneza, em setembro passado. Mas a novidade é que, apesar do seu inegável interesse público, 22 de Julho não estreará, pelo menos para já, numa sala perto de si. Em vez disso, é exibido na televisão. Mais propriamente no canal de streaming Netflix. Sim, o melhor é irmo-nos habituando à dinâmica de filmes que chegam primeiro à plataforma digital sem passar pelas salas de cinema. Independentemente dos juízos de valor que nos toquem mais de perto. É o sinal dos tempos.

Paul Greengrass não é alheio ao trauma, a fixar as imagens da tragédia. Algo que fez com reconhecido impacto em Domingo Sangrento (2002), em que evocou o massacre em Londonderry, em 1972, ou em Voo 93 (2006), ao recriar o ataque dos piratas do ar em 11 de setembro. De tal forma que foi considerado o cineasta ideal para dar corpo à franchise de ação baseada na personagem Jason Bourne.

Por esta dimensão dimensão da tragédia e impacto global, percebemos como o nome de Paul Greengrass, o realizador britânico que tivemos oportunidade de entrevistar em Veneza, combina bem com o projeto. E até, se quisermos, o da Netflix como farol para difundir esta obra. Aflora agora a tragédia ocorrida na Noruega no dia 22 de julho de 2011, num registo que está indissociavelmente ligado aos seus filmes realistas anteriores, com um guião a adaptar o romance One of Usda autoria da repórter de guerra Asne Seierstad.

De resto, este nem é o único filme sobre esse evento, já que em fevereiro passado, o norueguês Erik Poppe levou ao festival de Berlim Utoya, 22 Julho – e com quem de resto tivemos oportunidade de conversar -, um filme que retrata o massacre ocorrido na ilha ao longo de num único take de 71 minutos. Esse sim, terá estreia em sala, marcada para o próximo dia 15 de novembro.

Apesar de todos termos ainda bem presente o sucedido nesse dia, esta possibilidade de reviver esses acontecimentos do ‘lado de dentro’ confere ao projeto um lado de apelo inegável. Por aí veremos o desenrolar desse dia em que mais de 70 pessoas perderam a vida em consequência do ataque do extremista Anders Breivik. Primeiro, no edifício governamental e depois na ilha de Utoya onde decorria um acampamento juvenil do Partido Trabalhista local. E ainda o trauma que se sucedeu com os feridos e as sequelas do choque ate culminar no processo judicial em que esta personagem glacial se serve da tribuna para afirmar os seus intentos e amplificar a mensagem de terror global. Sobretudo, por relevar um Breivik humanizado e não o ‘animal’ ansiado pela nossa consciência, ele que ousa até ser defendido por um advogado do Partido Trabalhista. Afinal de contas, um homem que sabe usar o sistema democrático e a justiça ocidental para colocar esta pedra diabólica na engrenagem do sistema.

Pode dizer-se que este era filme que teria de ser feito, até porque é assim que funciona a lógica do entretenimento. Pode até questionar-se este olhar de intenção documental que percorre os principais eventos desse dia fatídico. E que começa até na véspera, com Breivik a preparar a bomba que haveria de deflagrar diante do edifício governamental. Depois, claro, há a matança no acampamento de verão do partido trabalhista. Body count: 77 pessoas, para além de algumas centenas de feridos, para além dos sobreviventes.

Seja por que ótica se encare 22 de Julho, difícil será fugirmos ao sinal de alarme dado por um filme demasiado ancorado no nosso tempo. De certa forma até, podemos até encará-lo como uma ‘sequela’ possível a Voo 93, já que o massacre de Utoya poderá igualmente ser visto como uma espécie de ‘sequela’ a 11 de Setembro, em que o espetador foi também colocado num dos lugares desse avião tomado de assalto pelos piratas do ar antes de se despenhar. E se for demasiado forte equacionar essa proposta de ‘sequela’, poderá, pelo menos, encarar-se c sequela com todas as dinâmicas geradas pela Globalização.

Netflix vence em Veneza depois do chumbo de Cannes

Ainda em maio passado, o festival de Cannes viu-se forçado a recusar alguns títulos baseados na política francesa de exibição em cinema, que impõe uma janela de três  anos de estreia em sala antes do mesmo filme de ser exibido no pequeno ecrã. O resultado foi que muitos desses filmes acabaram por engrossar as propostas do festival de Veneza. Recorde-se que ROMA, do mexicano Alfonso Cuarón, um dos pré-selecionados para Cannes, acabou por ser um sucesso em Veneza, vencendo mesmo o Leão de Ouro, o prémio principal, abrindo mesmo também as portas para os Óscares. Mas houve mais exemplos de Netflix, o filme póstumo de Orson Welles, The Other Side of the Wind e o documentário sobre essa rodagem iniciada em 1970 e terminada em 1976, They’ll Love When I’m Dead, outros dois que falharam Cannes, ou o western The Ballad of Buster Scruggs, de Joel e Ethan Coen. E, claro, 22 de Julho, a visão realista de Paul Greengrass sobre os atentados de 2011 na ilha de Utoya. É assim a democratização dos ecrãs.

 

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