Terça-feira, Março 19, 2024
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Andrew Haigh fala sobre ‘O Meu Amigo Pete’ e explica: “Apenas quero fazer os filmes que fazem sentido”

Talvez depois do excelente e muito british 45 Anos, de 2015, com Tom Courtenay e Charlotte Rampling (em que seria nomeada a um Óscar) se esperasse algo diferente do britânico Andrew Haigh. Provavelmente não esta variante de road movie americano sobre um adolescente solitário em O Meu Amigi Pete. Ele é Charlie Plummer, o miúdo que conhecemos recentemente como o John Paul Getty III, em Todo o Dinheiro do Mundoe que mantém uma relação especial com um cavalo. Mas é no evoluir desta história que o filme acaba por nos surpreender de uma forma tão inesperada como gradual. Será por este realizador, que tem agora precisamente 45 anos, recusar o mais óbvio? Será por isso também que o seu projeto seguinte será uma mini-série para televisão? Foram essas e outras dúvidas que fomos esclarecendo ao longo na nossa entrevista em Veneza, quando o filme passou no festival em estreia mundial em setembro passado.

 Poderemos traçar algum paralelismo entre 45 Anos e este O Meu Amigo Pete? Pergunto isto, porque parecem, à partida pelo menos, projetos completamente distintos.

Talvez sim, talvez não. Se pensar bem, tanto em 45 Anos como neste filme, o elemento do isolamento está bem presente. Na verdade, acho até que a maior parte do tempo acabamos por inevitavelmente estar sozinhos, e por isso passamos tanto tempo a tentar superar essa sensação de solidão. Seja através de relacionamentos, pelos nossos empregos. Talvez seja até esse o elemento aglutinador das várias histórias que fiz, a tal vontade de escapar desse isolamento. É um pouco isso que se passa com o Charley (Charlie Plummer), embora essa seja apenas a camada mais visível.

Sente que essa abordagem ao isolamento acaba por estar ligada ao seu trabalho?

É um pouco isso. Até porque estou a trabalhar em diversos projetos e é quase frustrante pensar que chegamos sempre a alguém que está a tentar escapar a esse isolamento. Isso interessa-me bastante.

Por isso aderiu a esta história sobre a relação particular de um rapaz com um cavalo? Sabemos que existe algo quase terapêutico da relação humana com cavalos. No seu caso, qual é a sua experiência com cavalos?

A única experiência que tive foi a de cair de um cavalo (risos). Isto quando tinha apenas oito anos. Portanto não se pode dizer bem que seja uma ligação que tenha. Mas percebemos essa ligação, por exemplo quando o Charley se aproxima do cavalo Lean on Pete. Afinal de contas, era o único ser com quem conseguia exprimir os seus sentimentos.

E como foi a sua ligação com o cavalo, conseguiu dirigi-lo também (risos)?

Por acaso era um cavalo muito bem treinado, embora com os cavalos de corrida isso já seja diferente, pois são bem mais temperamentais. Foi um desafio, mas correu bem, pois os tratadores fizeram bem o seu trabalho.

Pensou em alguns outros filmes que exploram essa relação? Lembro-me por exemplo do Kes, do Ken Loach (Os Dois Indomáveis, de 1969), que será talvez um exemplo óbvio?

Por acaso, quando me encontrei a primeira vez com o Willy (Vlautin, autor do livro), na altura em que estava a tentar adquirir os direitos da obra, falámos sobre os filmes que me inspiravam e o Kes foi um deles. De resto, é um filme que ele gostava muito. Mas há uma coisa, é que apesar de ter feito este filme não significa que seja um grande entusiasta dessa ideia do rapaz e o animal. É claro que o Kes é um filme incrível e revi-o recentemente na altura da preparação para este filme. E percebi que é um filme que mantém a sua frescura depois de tantos filmes. Mas não fui ver o Black Beauty (1994) ou filmes de corridas de cavalos. Se calhar porque não queria que as minhas corridas de cavalos se parecessem com o Seabiscuit (2003).

Sentiu necessidade de evitar que o filme se tornasse algo sentimental?

Este é um filme sobre um rapaz e um cavalo, mas também sobre um rapaz que procura a sua tia. Nesse sentido, sabia que corria esse risco, mas sabia também que não era por esse lado mais emotivo que queria ir. Não queria essa imagem mais ou menos perfeita que todos imaginamos. Acabou por ser um balanço delicado.

Como foi rodar nos Estados Unidos? Sentiu muitas diferenças em relação ao seu modo de trabalhar na Europa?

É claro que são equipas muito mais numerosas e em que está tudo muito definido, até porque existem muitas regras dos sindicatos. Por exemplo, mesmo como realizador não estou autorizado a alterar nada. Algo estranho para quem vem do meio independente. Talvez por se fazerem menos filmes na Europa, as pessoas sejam mais apaixonadas e dedicadas naquilo que fazem, mas tudo correu bem. Mas há algo na América, a sensação de liberdade e de poder ir para o Oeste que tem muito a ver com a história, apesar dele viajar para Este. Achei isso interessante no filme, como uma espécie de western ao revés.

Quando fala nos projetos que está a desenvolver, sente que poderão passar mais pelos EUA ou regressará à Europa?

Na verdade, tudo depende da história. Há um projeto que se passa nos EUA, mas outro em Inglaterra e um ainda na Grécia. Ou seja, não tenho nenhum desejo desesperado em trabalhar na Europa. Apenas quero fazer os filmes que fazem sentido. Talvez quando se faz um filme que tem algum sucesso pode existir a pressão de fazer algo numa escala maior. É claro que depois de 45 Anos recebi alguns guiões sobre pessoas mais velhas. Algo que me surpreendeu, porque razão iria eu fazer outro filme assim? Será que agora vou receber guiões para filmes sobre animais? Ou talvez até sobre pessoas velhas com animais… (risos)

O que fará então, já sabe?

Sim, uma série de cinco episódios baseada num livro chamado The North Water. Vamos ver, pois é um projeto bastante grande. É sobre um baleeiro em meados do século XIX no Ártico. Ou seja, vou de cavalos para baleias… (risos) Depois tenho outros projetos em diferentes etapas que espero concretizar.

Como foi a descoberta do Charlie? Sentiu alguma hesitação num jovem a assegurar o protagonismo sem ter uma grande experiência?

Foi um processo. Ele participou num casting muito desgastante. Mas a demo que nos enviou despertou-nos a atenção, foi sempre considerado nas diferentes fases e acabou por ficar.

 

O Steve Buscemi é sempre uma personagem marcante em qualquer filme que entre. Como foi a sua chegada a este filme?

Claro que queria trabalhar com ele, mas ao mesmo tempo evitar o seu lado mais marcado, daquelas personagens resmungonas. Mas tanto o Steve como a Chloé conheciam bem a história, mas sabiam que não deveriam sobrepor-se a essa personagem. De qualquer forma é sempre um luxo poder trabalhar com um ator como o Steve e também a Chloé.

Andrew Haigh nasceu em Inglaterra e é autor de 45 Anosum filme com Charlote Rampling, que foi nomeada ao Óscar por esse papel, em 2015, e ainda Tom Courtenay. Assinou ainda Amor de Fim de Semana (2011) e a série da HBO Looking (2014-2015). Tem previsto para 2019 a série The North Water.

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