Sexta-feira, Março 29, 2024
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Sam Rockwell: “Acho que agora até julgo menos o George Bush, sobretudo por causa do Trump”

Sam Rockwell foi o vencedor do Globo de Ouro para Melhor Ator Secundário em ‘Três Cartazes à Beira da Estrada’. Mas está já na rota do Óscar. Talvez a pensar no próximo filme, ‘Backseat’, em que faz de George W. Bush.

Paulo Portugal, em Veneza

 

A possibilidade nos encontrarmos com Sam Rockwell (e Martin McDonagh) logo após a estreia mundial de Três Cartazes à Beira da Estrada, em setembro passado no festival de Veneza, foi um prazer intenso associado a uma enorme vontade de interrogar aquela personagem misógina e ultra racista que interpreta no filme. É claro que Sam Rockwell não é alheio a este tipo de tipos à toa que se destacam da normalidade e que de alguma forma acrescentam novas entradas a uma certa galeria da realidade americana. Aliás, este papel de idiota chapado acaba por ser um prolongamento do filme anterior de McDonagh, Sete Psicopatas, igualmente com Woody Harrelson, também presente em Três Cartazes.

De resto, o guião incendiário de Martin McDonagh deixou claro que iria tratar temas bem sérios, como um caso de violação em que o corpo da vítima foi incendiado, embora a adorná-los com elementos de humor cáustico. Naturalmente, escritos propositadamente a pensar em Sam Rockwell e Frances McDormand, tal como em Woody Harrelson, igualmente com uma prestação suprema. Aliás é dele a mais delirante nota de suicídio que já vimos – e mais não dizemos.

Percebe-se, por tudo isso, que este filme impressionante não surpreendeu ao vencer quatro dos mais importantes Globos de Ouro, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz, para Frances McDormand, Melhor Actor Secundário, para Sam Rockwell, e Melhor Guião, para o também realizador Martin McDonagh.

Se acharmos que já vimos tudo de Sam Rockwell é capaz de fazer, teremos então de esperar para o ver no corpo de George W. Bush. Algo que acontecerá em Backseat, um filme sobre o vice Presidente Dick Cheney, devidamente interpretado por Christian Bale, e que contará ainda com Steve Carell no papel de Donald Rumsfeld.

 

Incrível este guião que lhe deu todas essas possibilidades de fazer crescer a sua personagem, mesmo tratando-se de um tolo…

Sim, estava tudo no guião. Estava muito bem escrito, por isso não tinha muitas dúvidas do que teria de fazer.

Este é um verdadeiro guião-bomba! Qual foi a sua reação quando o leu?

É verdade, é quase um presente de Natal para um ator.

Conseguiu gostar da sua personagem?

Gostei da personagem. Acho que ele tem um lado bom, apesar de ser um idiota. É que ele é mesmo um idiota! Mas tem uma transformação que lhe dá alguma possibilidade de redenção.

Que trabalho teve para compor esta personagem de polícia racista?

Por acaso não me encontrei com policias racistas. Mas é claro que existe muito racismo na América. É algo assustador. Por isso é uma boa altura para falar nisto. Por acaso fiz um outro filme em que faço de um líder do Ku Klux Klan.

O The Best of Enemies?

Sim. É uma história verdadeira. Mas ele torna-se amigo de uma ativista dos direitos humanos, interpretada por Taraji P. Henson (Elementos Secretos). Trata-se de algo muito atual, como os recentes acontecimentos de Charlottesville.

Aparentemente, algo que nunca será sanado. Essa divisão que já vem da Guerra Civil…

Sim, é algo que continua em todo o mundo. O racismo existe nos Estados Unidos existe, mas também em todo o mundo. Acho que nos Estados Unidos acontece mais agora porque que, certa maneira, é possível que isso aconteça. São tempos assustadores estes.

Já agora, ficou também assustado com a energia da Frances?

Ela é encantadora. Ela consegue ser letal com a sua representação. É formidável. Ela consegue ser meiga e letal quase ao mesmo tempo.

Até que ponto toda essa representação estava escrita?

Estava quase tudo escrito. Esse é o trabalho do Martin (McDonagh), ele é um escritor tremendo.

Como é que se prepara para uma performance destas? Imagino que não seja fácil…

É verdade, tenho de me preparar, ganhar energias. Bebo café, ouço a música certa. Às vezes num set temos de fazer coisas estranhas. Dependendo da cena, posso estar mais relaxado com o resto da equipa ou então completamente recatado e não falo com ninguém. Já estive em espaços sozinho com um guarda-chuva e caixote do lixo em que estou a dar cabo daquilo; uma outra vez parti uma cadeira antes de fazer uma cena.

Isso faz parte do seu método?

Faz parte do método, mas faz parte daquilo que tenho de fazer para estar pronto para ter aquela emoção certa na cena. Também há todos os tempos de espera e situações em que me dizem que está tudo ponto, que posso avançar para uma cena intensa, mas, afinal, depois pedem-me para esperar, e depois para ir de novo, para esperar… Entretanto percebemos que a luz se está a ir embora, sentimos o almoço e podemos começar a perder o foco. Por isso tenho de ter o meu dia previsto. Não é difícil às vezes ficar um pouco neurótico.

O Sam tem já uma galeria bem impressionante de personagens. Ainda que alguns sejam um bocado loucos…

Loucos, o que quer dizer co isso?! (risos)

Loucos no bom sentido, claro (risos). Mas é um tipo de representação que prefere ou talvez personagens mais planas?

Gosto de drama, gosto de comédia. Mas também gosto de registos mais fortes, de farsa e de tragédia. Aprecio mais os anti-heróis. E a minha personagem deste filme é um anti-herói. Tal como a Frances é uma grande anti-herói. Acho que todos nós podemos sentir estas coisas, a perda, raiva, ira. E todos podemos ser cobardes ou heróis. Tudo depende se temos um dia mau ou não. O trabalho de um ator é encontrar isso dentro dele.

Neste filme está um pouco dependente da sua mãe. A verdade é que na vida real viveu até mais com o seu pai, não foi?

Eu cresci com o meu pai, sim. Numa espécie de ambiente Kramer vs Kramer. Mas tínhamos menos dinheiro que o Dustin Hoffman (risos). Mas é verdade, foi o meu pai que me criou. A minha mãe que estava em Nova Iorque e só nos víamos aos fins de semana.

Quando foi então que encontrou dentro de si essa aventura de representar?

Sim, em miúdo fazia imitações e criava fantasias. Fazia peças com a minha mãe. Mas só quando já era mais velho passei a levar isso a sério. Quando tinha 20 e tal anos e quando passei a ter aulas de representação.

Houve alguma altura em que pensou que esse passo poderia não seguir em frente, já que abandonou a escola de arte dramática?

É verdade. Nunca fui bem na escola. Acho que poderia facilmente ter trabalhado numa bomba de gasolina. Não tenho formação académica nenhuma. Poderia ter trabalhado num bar. Algo que fiz bastante até. Trabalhei em restaurantes e bares.

Quando foi então esse ponto de viragem?

Acho que foi quando tinha uns 30 anos. Comecei a trabalhar aos 18 anos. Mas acho que só pude comprar uma casa quando tinha para aí uns 40 anos.

Num dos seus novos projetos interpreta George Bush.

Sim, é verdade.

Por acaso, acho que se parece com ele.

Acha? Sim, é um tipo com pinta (risos).

Como foi entrar na pela deste Presidente odiado por tantos…?

Eu gosto imenso dele, sabe? (de repente, liga um ficheiro do telemóvel com um discurso de GWB e depois faz algumas imitações – Hey, i’m George Bush!) Eu interpreto-o desde os 53 até ao 11.9.

Gosta dele, é?

Sim, acho-o simpático.

Conheceu-o?

Por acaso não, mas adorava conhecê-lo. Tenho estado a ouvir vários debates dele, entre o John Kerry e o Al Gore. Acho que ele é bastante afável. Mesmo quando faz asneira.

Está então preparado para aquele momento em que está a ler um livro a crianças e alguém lhe vai segredar que as Torres Gémeas caíram?

É verdade. Por acaso, esse momento não está no filme. Nessa altura, ele tem uma expressão engraçada no rosto. No entanto, tenho pena dele. Porque o que se faz numa situação dessas? Temos de ter tempo para processar o momento. Esse momento é importante. Ele está em choque, pensa no que deve dizer, mas ao mesmo tempo esta a ler uma história infantil. Acho que agora até julgo menos o George Bush, sobretudo por causa do Trump.

 

 

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