Quinta-feira, Abril 25, 2024
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Clash: um dia no renascimento de uma nação

Chega finalmente as salas um dos filmes concorrentes na secção Un Certain Regard, de Cannes 2016. É o egípcio Muhamed Diab uma vez mais a auscultar o pulsar dos dilemas sociais do seu país e a oferece-nos mais um retrato do realismo político e social das ruas do Cairo. O mesmo que um mês antes da revolução se estreara com 678, um filme sobre reivindicações de assédio sexual de três mulheres.

Desta vez, mete numa carrinha celular um punhado de descartáveis, inoportunos e revolucionários na ressaca da primavera árabe. E o que temos? Temos um concentrado de reprimidos e excluídos do sistema, os enganados pela renovação na continuidade do regime deposto de Mubarak, em 2011, depois da ditadura de 3 décadas. Lá fora gere-se agora o estado de sítio instaurado pelo regime dos Irmãos Muçulmanos e do Presidente Morsi que tornou sangrentos os protestos iniciais. Vá lá, uma espécie de “processo revolucionário em curso” egípcio, à falta de melhor comparação.

É então no interior dessa prisão on the road que seguimos o desenrolar do paradoxo daqueles que são ao mesmo tempo prisioneiros, mas também protegidos da anarquia sangrenta que reina nas ruas. Um a um vão entrando na carrinha, entre adeptos e opositores do novo regime, intelectuais e até adeptos desportivos. Ao encenar desta forma esse momento particular da vida s seu país, Diab assume assim a premissa de colocar-nos também nesse huis clos, ao lado dos deserdados, testemunhando a sua sorte. É assim que vamos observando o que se passa lá fora, entre miradas breves, embora multiplicadas pelo som do fundamentalismo exterior. Ainda que no interior se criem divergências, como que a assinalar esse imbróglio político a social.

É neste microcosmos apertado que respira o mesmo ar quente, desprovido de oxigénio, que nos vamos preparando para um final inevitável, talvez sem solução. Talvez aí, só aí, haverá uma réstia de diálogo que permite apontar um caminho. Porque estas contradições não se resolvem assim. Só com o tempo. Provavelmente terá de passar mais do que uma primavera. Porque este foi apenas um dia.

 

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