Sexta-feira, Abril 19, 2024
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Locarno70: contos da loucura normal

Para a sessão de abertura na Piazza Grande foi selecionado um emotivo drama familiar francês Demain et tous les Autres Jours, de Noémie Lvovsky. Embora, por sinal, a emoção seja mais descrita do que propriamente vivida. Já que a história de uma mãe mentalmente frágil, interpretada pela própria realizadora, e obcecada de amor pela filha, Luce Rodriguez, uma pequena revelação, acaba por nos dar emoções já instruídas. Sobretudo depois de colcocar em cena uma nova personagem, uma pequena coruja que fala com a filha.

Entre os dilemas psicológicos, por um lado, e o desenvolvimento fantasioso dos companheiros imaginários das crianças, por outro, há um espaço de intriga para o espectador, mas em que na verdade dificilmente nos sentimos tocados. Não sendo sequer, de acordo com a pesquisa feita, uma evocação de alguma personagem familiar, esta história acaba por ser um embrulho agradável para uma plateia de todas as idades, mas com alguma dificuldade de digestão num festival intelectualmente exigente como Locarno. Pena é vermos também Mathieu Amalric num papel esquecível e modestíssimo, como o pai divorciado desta mulher, mas presente na vida da jovem.

A competição internacional começou com a proposta sedutora Freiheitdo alemão Jan Spenkenbach. No seu segundo filme, debruça-se naquele limbo de aparente calma em que pode navegar uma família, mesmo não sabendo que pode estar minada por forças e pulsões incontroláveis de liberdade. É o que sucede com a advogada Nora (Joana Wokalek, de O Complexo Baader Meinhof) decidindo, sem aparente justificação, abandonar o marido (Hans-Jochen Wagner, de Todos os Outros, de Marin Ade).

Só que esta história só se torna apelativa por se inverter a ideia do que parece começar como uma história mosaico, em que o marido Philip, também advogado, para além de viver confrontado com a perda familiar lida com um caso em que tem de defender um agressor de um refugiado. Em todo o caso, a história de Nora é o centro do filme e dessa procura de liberdade, seja sexual seja apenas de paz interior. É precisamente nessa opção narrativa em que acabamos também por nos despir de ideias mais preconcebidas sobre a evolução ou desenlace de uma relação familiar.

Demain et tous les Autres Jours, de Noémie Lvovsky (filme de abertura – Piazza Grande) – **

Freiheit, de Jan Spenkenbach (competição internacional) – ***

 

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