Sexta-feira, Abril 19, 2024
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Cuidar dos Vivos: o corpo, do fundo do coração

A ideia de que o corpo e aquilo que somos sobrevive para além da presença física confere ao terceiro filme da jovem francesa Ketell Quillévéré uma espessura inesperada que interliga duas histórias bem diferentes, atadas com um destino marcado. De um lado, Simon (Gabin Verdet) um surfista de 17 anos que sofre um violento acidente de viação que lhe trás morte cerebral; do outro, Claire (a canadiana Anne Dorval presença regular no cinema de Xavier Dolan) uma mulher de coração fraco que aguarda um dador compatível.

Mesmo retirando parte da surpresa do plot com este spoiler, percebemos que o filme é mais sobre o prazer de viver, e que pode mesmo ser partilhado quando a vida nos coloca armadilhas das quais não conseguimos escapar. É também este sentimento a limitar a ambição deste filme bem-intencionado, ainda que algo desequilibrado.

Apesar de ser construído por duas histórias distintas, a referência de filme ‘mosaico’ acaba por insuficiente já que um segmento é apenas a continuação de outro, através dessa extensão corporal que permite o prolongamento dessa outra vida.

É a celebração da vida que domina Cuidar dos Vivos, baseado na novela Mend the Living, de Maylis de Kerangal, desde logo pelas imagens espetaculares e marcantes daquele dia de surf, mas também do prazer desta mulher pela música e pela vida.

Depois da formulação desta equação e este lado poético da vida, passamos também para outra vertente contrastada da história, com essa frieza quase cronometrada com que passamos a “cuidar dos vivos”, da possibilidade com que os pais de Simon (Emanuelle Seigner e Kool Shen) são forçados a descobrir na sua dor essa possibilidade de legado de vida a outro a partir de peças do corpo do filho, tal como a família de Claire vive cercada por essa esperança.

O problema do filme é que a segunda história padece de vários problemas narrativos nunca chega verdadeiramente a resolver, com personagens secundárias que nunca chegam a concretizar-se, acabando por contagiar essa ligação ao corpo do filme. Afinal de contas, essa segunda parte acaba por ser também ela um órgão falso que é acoplado à história principal. Fornece-lhe vida, embora sem lhe conferir um verdadeiro ritmo cardíaco.

 

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