Quinta-feira, Abril 25, 2024
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Brazil: O Outro lado do Sonho: O terrorismo já não é o que era

O fenómeno de culto recordado por Terry Gillian e Jonathan Pryce

Como regressar a Brazil: O Outro Lado do Sonho mais de 30 anos depois da sua estreia? Respondemos. Por um lado, permite-nos perceber como aqueles mundos distópicos, muito série B, ambientados algures no século XX, como refere o filme, acabam por estar mais próximos da nossa realidade, ainda que da forma mais insólita. Já a segunda razão poderá estar relacionada na forma perene como o filme resistiu ao tempo.

Aterramos em Brazil de chofre, num futuro incerto em que uma modernidade futurista é feita aos solavancos e ambientada por exércitos de mangas de alpaca que se escondem em edifícios orgânicos, embora dados a frequentes problemas respiratórios, a motivar a intervenção de técnicos freelancers com semblantes dos jovens Bobby DeNiro e Bob Hoskins. É neste futuro em que algo parece ter corrido menos bem, que encontramos um sensacional Jonathan Pryce no papel de Sam Lowry, um sonhador capaz de substituir um quotidiano dominado pela burocracia e ataques terroristas, ao abrir as asas prateadas na sua imaginação e deixar-se vaguear no mundo perfeito onde vive a mulher dos seus sonhos, a sua dream girl (Kim Greist). Sam é um idealista rebelde, que recusa a promoção facilitada por uma mãe (Katherine Helmond) dependentes de plásticas. E não seria esta evasão a tábua de salvação de tantos na Britânia de Thatcher?

Quanto trauteamos o tema Brazil (ou Aguarela do Brasil), de Ary Barroso, na versão de S.K. Russel, dificilmente deixamos de evocar um convite ao sonho, que aqui acolhe um choque de frente na realidade insólita, que mais parece retirada de 1984 de Orwell. Um choque que se converteu em selo culto mais ou menos unânime, ainda que nos EUA tenham torcido o nariz por se sentirem algo deslocados dessa fantasia audaciosa. Regressa às salas, numa meritória operação levada a cabo pela Bold/Alambique, celebrando a pujança do cinema fantasioso de Terry Gillian.

Brazil

Ao saber desta iniciativa, Jonathan Pryce declarou-se “muito contente” por “Brazil ser reposto em Portugal”. Até porque, “é um filme que continua a arranjar um público novo e, além disso, muito jovem.” E assim continuou: “Quando o fizemos não fazíamos ideia de que faria parte da História do Cinema e se tornaria neste fenómeno de culto. Imensas pessoas continuam a dizer que é o seu filme favorito. Mesmo quando é visto pela primeira vez. O lado mais triste é que todo aquele aspeto político, toda aquela ideia de um governo gigante, do terrorismo, da perda do poder do indivíduo, são temas que têm hoje muito maior relevância. Isso é triste; mas o lado bom é perceber como o seu lado futurista retro, de difícil identificação, não ficou datado.”

Essa visão de um mundo autoritário e intrusivo, dominado pela informação mas minado pela máquina do Estado, acaba por receber hoje, de forma algo paradoxal, não uma distância maior, mas uma quase fusão com as modificações políticas e sociais recentes, assentes num populismo que vive paredes-meias com vários ismos.  Um universo robusto que se sustenta em grande parte nas valências do guião assinado por Terry Gillian, em parceria com Tom Stoppard e Charlie McKeown, seu parceiro no ‘crime’ em várias colaborações, e a câmara de Roger Pratt. Desta equação sai o reino do sonho em que parece querer viver o tal tema bossa nova.

Se pensarmos bem, este mundo ligeiramente alucinado e corrosivo tem sido referência em Terry Gillian, desde as aventuras nonsense com a trupe Monty Python, prolongadas pelo Cálice Sagrado, o tal épico low cost de 1975 em que os cavalos eram substituídos por cocos que imitavam o barulho dos cascos, ou um novo prolongamento do humor dos Python, no delirante Sentido da Vida, o filme anterior a Brazil, para além de outros casos, onde em sonhos tudo é possível – seja A Fantástica Aventura do Barão, de 1988, que colheu novos desafios, mesmo no mundo mais realista de O Rei Pescador, em 1991, até chegar ao psicadélico Delírio em Las Vegas, em 1998, com Johnny Depp. Curiosamente, data desse ano o início do malfadado projeto Quixote que Gillian tanta concretizar. Na verdade, não será ele próprio um Don Quixote?

E é o próprio Terry Gillian quem nos que “nada mudou”, neste hiato mais de três décadas. “Muita gente pensou que podia ver o futuro quando o Brazil saiu”, acrescenta, antes de chegar à conclusão mais insólita: “O que percebemos é que nos anos 80 tínhamos terroristas muito melhores. É que hoje em dia, os terroristas são muito beras…” Até refletir: “Mas quantos terroristas se vêm no filme? Quando temos organizações como o Homeland Security é como ter o Ministério no Brazil. Precisamos de terroristas para manter o emprego. Se não os encontramos, temos de produzir alguns novos. Acho que vivemos nesse mundo hoje em dia.” Isto é Terry Gillian.

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