Sábado, Março 30, 2024
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Fatih Akin, o realizador de ‘Soul Kitchen’, admite: “Tive de amadurecer para fazer este filme”

O talentoso realizador turco faz uma pausa no seu cinema mais duro e oferece-nos uma saborosa visão sobre as atribulações de um grego em Hamburgo.

Este é um filme em que a culinária, a música e o multiculturalismo estão muito presentes. Como foi então juntar todos estes ingredientes? Teve a sensação de que estava mesmo a cozinhar?

Sim, foi mesmo isso. Logo a começar pelo guião, que foi a carne; tivemos de o trabalhar, batê-lo bem até estar apetecível. Depois tínhamos raparigas lindíssimas que mais pareciam zucchinis… (risos)

No entanto, este projecto esteve muito tempo no congelador antes de o cozinhar…

Sim, bastante tempo (risos). Como sabe, quando vamos ao supermercado os produtos que compramos têm um prazo de validade. Neste caso tínhamos até o receio de que tivesse já estragado…

Porque achou que era agora o tempo certo para avançar com este filme?

Acho que já foi quase tarde demais. É um filme sobre uma geração – a minha geração. Era algo que eu queria retratar. O estilo de vida. Mas hoje, onde quer que vá, percebo que não vivo este estilo de vida. Já estou mais velho, tenho um filho e cabelos brancos. Já não posso fumar. E a vida de discotecas acabou para mim. Se calhar, nesse sentido, o ‘timming’ está perfeito. Por causa da crise, as pessoas precisam de rir, eu preciso de rir. Queria também fazer uma pausa nos filmes que fiz e também naqueles que quero fazer no futuro. Para já não tenho planos concretos. Este filme ajudou-me de certa forma a lidar com o futuro. Foi uma lição de vida.

Em que sentido?

Ajudou-me a superar os meus receios sobre o que vão dizer. Eu nasci na Turquia e lá tínhamos muito a consciência de “o que dirão os vizinhos?”. Eu quero libertar-me também do estigma quando penso “o que dirão os críticos?” Por isso, tive de vencer os meus medos.

‘Soul Kitchen’ 

Olhando para a sua filmografia, acha que este é o filme que faz melhor sentido neste momento?

Acho que sim. De um ponto de vista interior. Os heróis do meus filmes tiveram todos de lutar para encontrar uma casa, de saber onde é a sua casa: seja a procura de uma casa na Alemanha ou quando tencionam regressar à Turquia e procurá-la lá. É uma incessante procura de identidade. No entanto, nunca se questionam de onde são, pois sabem-no bem. E tentam defender e proteger essa origem. De certa forma, é o completar de um círculo.

Sentiu também a necessidade de o tornar mais leve?

Todos os meus filmes ilustram o meu estado de espírito. Foi assim em ‘Head On’, mas também em ‘The Edge of Heaven’. Sobretudo o último foi uma experiência triste. Por isso queria voltar a rir. Eu merecia fazer um filme alegre. Essa foi a primeira força para fazer o filme. Em termos de estratégia, pode ser que me engane, vamos ver…

Para alem do aspecto culinário, dá a sensação que ‘Soul Kitchen’ se assemelha a uma peça musical interpretada por uma banda, concorda?

Sim, é como um ‘set’ de DJ. É fantástico porque fazemos a misturas e o público não se apercebe que um novo tema já começou. Foi esse o desafio de fazer um ‘mix’ de 90 minutos. É por isto que eu quero tornar-me no melhor realizador que poderei ser. E não posso estar constantemente a repetir-me. É maçador estar sempre a repetir o mesmo estilo. Eu quero aprender, mesmo que não tenha sucesso.

O que foi para si mais difícil fazer este filme?

Criar o ritmo certo e o ‘timming’. Em ambos os meus filmes anteriores, ‘Head On’ e ‘The Edge of Heaven’, apenas dois actores seguravam o filme a maior parte do tempo. Aqui temos vários ao mesmo tempo. Há diversas linhas narrativas e personagens que chegam a encontrar-se no mesmo plano. Eu tive de amadurecer para fazer este filme. Tive de conhecer a morte e a vida; tive de ser pai…

E o que vai fazer a seguir? Vai acabar esta trilogia?

Sim, vou acabar a trilogia. Ainda não estava preparado para a concluir. Por isso, tive de fazer ‘Soul Kitchen’. Mas agora já estou preparado.

Como é que lida com o seu próprio sucesso?

Eu sou um artista, e como todos os artistas, queremos ser amados. É esta a armadilha. E não somos nós que queremos ser amados, mas sim a nossa arte. Queremos que ela seja amada. Não é o dinheiro e os números de bilheteira que me tentam, mas sim que o filme seja desejado pelos espectadores. Ainda não estou preparado para querer que o meu filme faça muito dinheiro.

Mas não se sente tentado por uma carreira nos EUA, onde a visão dos realizadores europeus é bem vinda?

Eu sou um autor, e não o tipo de realizador que pega em 60 milhões de faz um filme qualquer. Eu quero ter uma história para contar. Só assim continuarei a ser autor. Foi por isso que nunca fiz publicidade. Se precisasse desesperadamente de dinheiro, aí sim.

 

Paulo Portugal, em Veneza

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