Quinta-feira, Março 28, 2024
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Diário de uma Criada de Quarto – Buñuel evoca as sementes do fascismo e anti-semitismo

Diário de uma Criada de Quarto marca o regresso de Luis Buñuel à Europa e a França onde realizaria alguns dos seus melhores filmes. Curiosamente, este mantém ainda hoje uma fluidez tremenda e até uma curiosa atualidade. E por diversos motivos. Desde logo pela forma como permite auscultar a sociedade francesa no início dos anos 30 e recordar como as sementes do fascismo e do anti-semitismo eram, afinal de contas, valores mais ou menos comuns da época.

Apesar de rodada em 1963, portanto, já depois da adaptação que Jean Renoir fez em Hollywood, em meados dos anos 40, esta adaptação do romance original de Octave Mirbeau, escrito em 1900, durante o famoso ‘affaire Dreyfus’ (aliás, do qual Mirbeau era fervoroso apoiante), acaba por ser ‘deslocada no tempo’, não só mais próximo dos seus anos de euforia e do escândalo provocado por L’âge d’or, e pelo argumento co-assinado por Salvador Dali, numa crítica feroz à moral burguesa e à igreja.

Na verdade, esta mudança temporal ter-lhe-á até dado o prazer de encenar a manifestação de apoiantes de direita em Cherburgo no final do filme que gritam: “Viva Chiappe, Viva Chiappe!”, numa alusão clara ao chefe da polícia e reacionário de extrema-direita Jean Chiappe que proibira a exibição de L’âge d’or em Paris, em 1930.

Dois aspetos marcam ainda este filme singular na carreira de Luis Buñuel. Desde logo, o encontro com o produtor Serge Silberman, supostamente depois da partilha de uma garrafa de uísque, bem como de Jean-Claude Carrière, aparentemente apresentado por Silberman, na coesão de uma equipa que daí para a frente o haveria de seguir até ao final da sua carreira.

Quanto a Carrière, que haveria de ser o seu argumentista regular, começa pelo assegurar a adaptação dos diálogos deste romance de Mirbeau sobre uma criadita feminista, bem antes do seu tempo, vinda de Paris para um mundo rural mas que soube identificar e aproveitar-se dos vícios de uma burguesia provinciana. Curiosamente, Jean-Claude assumiu ainda uma curta participação como ator, como padre numa cena bem caricata e à medida de Buñuel.

Seja como for, é de Jeanne Moreau que não desviamos o olhar. Aqui já no topo da sua carreira, é tremenda no papel da sofisticada Céléstine, imperial na forma como estuda os tiques e as taras de todos em seu redor, refletindo da melhor forma o desejo de perversidade de Buñuel. Para a história ficará, seguramente, a sequência das botas (um dos fetiches do cineasta), que calçou para agradar o patrão e como o seu andar bamboleante, de saltos altos, terá impressionado Buñuel. Foi bom também recordar um Michel Piccoli, entregue à truculência da sua personagem, pouco depois da sofisticação de O Desprezo, de Godard.

Até ao dia 1 de julho podem ser vistos cinema Nimas outros filmes de Luis Buñuel, como Labirinto Infernal (1956) e O Fantasma da Liberdade (1974).

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