Terça-feira, Março 19, 2024
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Ema, de Pablo Larraín: A vida em chamas dentro de um videoclip reggaeton

Há algo de literalmente incendiário em Ema que confirma um selo de viragem na atitude criadora do chileno Pablo Larraín. E não será motivada apenas por aquele plano inicial magnífico mostrando um semáforo luminoso em chamas no meio de uma rua de Valparaíso que um lento travelling para trás revela a presença de uma jovem empunhando um lança-chamas ainda fumegante. Por vezes, um conflito de emoções inconciliáveis produz filmes assim, que não se explicam, mas que se fazem sentir. No seu ritmo, goste-se ou não de reggaeton.

Valerá a pena adiantar que Ema (Mariana Di Girólamo) é uma bailarina numa companhia de dança dirigida pelo marido coreógrafo e estéril Gaston (Gael Garcia Bernal), dominada pelos comportamentos depressivos do filho adotivo Polo (Cristián Suaréz, praticamente ausente no filme). Este é um registo que se concretiza na fusão das personagens com o ambiente coreográfico e musical fortíssimo do reggaeton. Só que essa performance acaba também por ser contaminada pelo carregado melodrama desta família em que repousa ainda um olhar cáustico, se não mesmo incendiário sobre a sociedade atual.

A verdade é que Ema, (que chega finalmente ao nosso país – depois da estreia mundial no festival de Veneza, em setembro passado -, primeiro disponível em plataformas de streaming antes de uma exibição limitada no Cinema Ideal) parece ter cavado o que apelidaríamos de um certo distanciamento social do cinema fortemente engajado com o passado e o destino do seu país durante a dolorosa travessia da ditadura de Pinochet. Desde logo, defendido pelas narrativas tão fortes como Tony Manero, conquistando o festival de Cannes em 2008, e depois o mundo, numa veia que cresceu e foi confirmada dois anos depois por Post Morten e outros dois a seguir por Não (2012); um período sintetizado em O Clube, 2015, deixando para trás um bloco que o afirmava como um dos cineastas mais relevantes do novo cinema latino americano.

Mas voltemos então a Ema e ao seu lança-chamas. Seguramente uma narrativa punk bem mais personalizada (nesse sentido, mais próxima até de Neruda e Jackie). Se bem que este último filme pareça reivindicar uma maior proximidade anterior, que nos remeta a um novo olhar sobre Tony Manero e, sobretudo, à forma como esse filme ‘olha’ Saturday Night Fever, realizado por John Badham em 1977. Isto sobretudo como traduz o mundo irreal da música cria ambientes e mundos completamente diferentes.

É neste caso em que Ema se parece com Tony Manero (a personagem, não o filme), no sentido em que parece viver nesse mundo alternativo da performance, da liberdade, do erotismo sem fronteiras, da mesma forma como a personagem de John Travolta apenas parecia viver na pista de dança da discoteca ao som dos Bee Gee’s.

A diferença entre o filme de Larraín e o de Badham é que hoje as personagens são bem mais sabidas e não possuem a ingenuidade pura de Manero/Travolta; se bem que substituam a atitude muito macho da altura, devidamente celebrada pelo seu pequeno gang, embora num filme que conta muito sobre aquela geração, algo perdida (veja-se o irmão de Tony que renuncia ao sacerdócio). Ema faz precisamente o contraponto entre as duas épocas, ao captar e transmitir toda uma energia de empoderamento feminino, esvaziando e isolando até o pobre Gaston na sua infertilidade.

O problema de Pablo Larraín reside na sua incapacidade de fazer uma ponte credível entre a sua opção estética e o pequeno universo de bailarinos que retrata, deixando-nos o mundo e a vida apenas em forma de esboço. Algo que se compreende menos, sobretudo num cineasta tão conhecedor do seu fundo social, embora claramente menos à vontade com a geração que não é do seu tempo. Assim fica-se pela ponta em que nos mostra como é a vida dentro e um videoclip.

 

 

EMA estreia 28 Maio nos Videoclubes das TV’s e Plataformas VOD (Filmin Portugal, MEO, NOS, NOWO, VODAFONE)
Dias 11 e 17 de Junho é exibido no Cinema IDEAL!

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