Quarta-feira, Abril 24, 2024
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A Herdade: Era uma vez no Alentejo

 Ao contrário do que habitualmente acontece com o deserto de propostas de qualidade durante o panorama cinematográfico estival, talvez possamos dizer com segurança que este foi um ótimo verão, sobretudo no que ao cinema português diz respeito. Não só Pedro Costa conquistou o Leopardo de Ouro em Locarno com Vitalina Varela, como antes mesmo de Gonçalo Waddington se mostrar em San Sebastian, no concurso para a Concha de Ouro, com Patrick, vemos finalmente nas salas de cinema, A Herdade, de Tiago Guedes, escassas semanas depois da sua passagem na competição em Veneza.

No entanto, valerá a pena recordar queeste não é o único filme de Tiago Guedes em 2019, pois já havia assinado o muito curioso, e conseguido, Tristeza e Alegria na Vida das Girafas, com estreia marcada para novembro, embora já exibido na última edição do IndieLisboa, e com a particularidade da partilha de atores em outros filmes, como sucede com o próprio Waddington ou Miguel Borges, também presente em A Herdade. É claro que este Verão ficará ainda marcado pelo ótimo percurso de Variações, de João Maia, a aliar uma ótima receção de público e crítica. De facto, não poderiam ser melhores os indicadores de um cinema, por vezes tímido, outras ansioso demais, por mostrar os seus valores.

Desde já, saúde-se em A Herdade o arrojo de abraçar o grande épico narrativo lusitano, alinhado com as grandes gestas familiares da literatura, como O Delfim, de José Cardoso Pires, e na adaptação ao cinema por Fernando Lopes, os até em Os Maias, de Eça de Queirós, levado ao cinema por João Botelho. Ao longo de quase três horas, algo raro na produção nacional, pelo menos desde os épicos de Manoel de Oliveira, em que acompanhamos o fôlego desta personagem que vive à queda do Antigo Regime, ao início da reforma agrária, aproximando-se mesmo, salvo devidas diferenças, a uma dimensão do próprio príncipe Salinas, segundo Burt Lancaster, em O Leopardo, de Visconti.

O único senão é que o turbilhão de Albano Jerónimo é ao mesmo tempo o trunfo do filme, mas também o eucalipto narrativo que consome tudo em redor. Mesmo quando na segunda parte, ou na segunda geração, já depois de findo o processo revolucionário, percebe-se como tudo continua a gerar em seu redor.

Mas se Albano assegura o lado mais estoico da personagem, a quase imobilidade esfíngica de Sandra Faleiro corresponde o lado calado e submisso da mulher portuguesa (também a iremos ver em Technoboss, de João Nicolau, outro filme que deu que falar este verão, em Locarno). Menos presente, embora sempre intenso, Miguel Borges cumpre com fidelidade o papel do capataz com uma história escondida de submissão, tal como o restante elenco, embora com o seu espaço de interpretação algo limitado por essa tal asfixia. Por aí se perde também o golpe de asa maior de um filme que na verdade não chega a ser.

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