Terça-feira, Março 19, 2024
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Luis Chaby Vaz, Presidente do ICA: “Há produtores nacionais e internacionais que já beneficiam do cash rebate”

Paulo Portugal, Berlim

 

Uma vez mais o cinema português deixou a sua marca em Berlim. Mesmo sem prémios – nem sempre é isso o mais importante -, a pequena embaixada de criadores lusitanos confirmou a apreciação que existe por parte do cinema nacional. Uma força confirmada até por Carlo Chatrian, ex-diretor criativo do festival de Locarno, sempre atento ao cinema português, e que passa a ocupar a mesma função na Berlinale, substituindo Dieter Kosslick na anunciada saída após esta 69ª edição. Como sabe, sempre fui um grande adepto do cinema português, confessou-nos durante um encontro ocasional. O que permite pensar que Berlim continuará a ser uma boa montra para o novo cinema português. Opinião partilhada por Luís Chaby Vaz, Presidente do ICA, Instituto de Cinema e Audiovisual, responsável pelo apoio ao desenvolvimento da atividade cinematográfica e audiovisual com quem tivemos o prazer de conversar.

Foi no pavilhão de Portugal no EFA, o European Film Market, o mercado no festival de Berlim, que este responsável pelo cinema em Portugal nos atualizou relativamente aos principais incentivos dedicados à produção de cinema no nosso país e divulgados durante o festival pela Ministra da Cultura Graça Fonseca. Em particular as condições vantajosas do cash rebate, um incentivo de ordem fiscal destinado a atrair e injectar investimento estrangeiro em produções ou co-produções, desenhado em parceria com a vice-presidente Maria Mineiro. No fundo dando expressão ao bom momento da divulgação do nosso país como destino turístico, mas também o aproveitamento dessa onda para aliar à consolidação de uma política de investimento estrangeiro na produção de cinema.

Luís Chaby Vaz e Maria Mineiro

Apesar do pavilhão de Portugal ser diminuto comparado com outras cinematografias mais expressivas, os cartazes dos seis projetos apresentados nas diversas secções da programação da 69ª edição da Berlinale ilustravam bem essa presença ativa. Desde logo, representados por duas presenças vigorosas no Fórum, A Portuguesa, de Rita Azevedo Gomes, e Serpentário,de Carlos Conceição. Bem como a curta de Jorge Jácome, Past Perfect, o único projeto em competição. Já no Fórum Expanded tivemos Fordlandia Malaise, de Susana de Sousa Dias e A Story From Africa, de Billy Woodberry. Por fim, a estreia portuguesa na secção de séries para televisão. No caso Sul, de Ivo M. Ferreira, na Drama Series Days do market screenings. Além desta presença, a Berlinale recebeu ainda a participação do Berlinale Talents do projeto AURORA, de João Vieira Torres, no DOC Station, de Susana Santos Rodrigues, com o ator Mauro Soares e o realizador Gonçalo Almeida.

“Os festivais são centrais para a estratégia de internacionalização da cultura portuguesa”

Obrigado pela disponibilidade. Começava por lhe pedir um comentário ao anúncio feito aqui em Berlim pela Ministra da Cultura, Graça Vasconcelos, relativamente aos apoios a conceber ao cinema, nomeadamente os incentivos do cash rebate.

O sistema de cash rebate foi criado algures a meio do ano passado. Mas já temos os primeiros meses de execução deste sistema.

Ainda assim, este é um sistema que já existe há muito tempo. Porquê este atraso na sua implementação no nosso país?

Talvez chegue com atraso, mas ainda assim o nosso sistema é relativamente inovador em termos europeus. A maior parte dos países europeus tem sistemas de cash rebate, no fundo, uma capacidade de recuperação fiscal do investimento que é feito através de um filme. No nosso caso estamos a falar de um sistema que, efetivamente, injeta dinheiro na produção. Ou seja, parte desse investimento realizado no território nacional pode ser recuperado e aplicado na produção de filmes. Portanto, estamos a falar de dinheiro vivo que pode ser utilizado em tempo útil na própria produção do projeto. No fundo, uma ferramenta útil e interessante naquilo que é o inverso europeu. É bastante agressivo, porque nós ainda por cima criámos um sistema muito aberto. Aqui não se trata propriamente de analisar a qualidade intrínseca do projeto, o prisma é mais na sua utilidade económica e na reativação de uma rede de trabalhadores e técnicos na área do audiovisual português que precisam de ter o seu modo de vida assegurado.

Isso contempla também a exploração do potencial da nossa geografia e clima diversificados? Algo que não tem sido muito utilizado como valor.

Acho que estamos num momento particularmente feliz para lançar este programa.

Portugal está na moda, não é?

Sim, Portugal está na moda. Aliado a isso temos a multiplicação de ligações aéreas confirmaram essa abertura efetiva ao mundo. Só nos Estados Unidos abriram no último ano quatro novos destinos. A capacidade de ficarmos conectados com o mundo é muito maior. Depois temos uma diversidade paisagística, uma proximidade entre as diferentes paisagens. Temos praias tropicais, montanhas, arquitetura moderna, arquitetura histórica…

Não somos Malta, mas quase…

Eu acho que temos bastantes vantagens relativamente a Malta. Se olharmos para a nossa população, pela nossa diversidade étnica, e imaginarmos um casting para figurantes, podemos ter africanos, marroquinos, indianos, chineses. O facto de Portugal ser um país integrador também é uma vantagem. Para além disso, somos um país bastante seguro. E barato. Isso são vantagens muito interessantes no que toca à grande produção internacional. O que interessava aqui era meter estas vantagens dentro de um packagee apresenta-lo enquanto tal. A reação está a ser ótima.

“O prestígio que Portugal tem no cinema vem do seu sucesso em festivais”

Como foi feita essa ‘engenharia’?

Foi um raciocínio que se fez pelo princípio das oportunidades. Foi o próprio ICA em trabalho muito próximo com o Turismo de Portugal, pois desde cedo se mostrou interessado em ter um papel aberto nesta matéria. Percebeu que o cinema e o audiovisual são ótimas ferramentas de venda da imagem do país. Os EUA começaram há 15/20 anos com coisas muito simples. Por exemplo, as diversas séries CSI, Nova Iorque, Miami ou Las Vegas foram pagas pelas respetivas Film Comissions com fundos diretos. Lembramo-nos como o CSIcomeçava sempre com imagens maravilhosas de cada cidade antes de aparecer o primeiro cadáver. Ora isso eram estratégias de captação de rodagens e de promoção turística. Portanto, o turismo teve essa abertura ao perceber que esta era uma boa ferramenta. Em Portugal trabalhámos em conjunto para criar um produto que se vende como um cenário tão apelativo como este.

Posso aqui fazer uma provocação e comparar este cash rebate ao que foi feito com os Golden Visa?

Na verdade, houve um momento em que pensámos nisso.

Foi uma ferramenta que deu bom resultados e trouxe muito dinheiro. Criou inflação imobiliária, mas isso é outra coisa…

Veja bem, por exemplo, em Nova Iorque o sistema de captação de investimento foi criado a partir do Golden Visa, que no caso deles é o Green Card. Ou seja, quem se candidatasse ao Green Card e fizesse investimentos no cinema obteria o Green Card. Portanto isso já foi utilizado. No entanto, quando surgiram os primeiros problemas ligados ao Golden Visa acabámos por abandonar esse perfil de investimento. Não acredito que fosse cem por cento virtuoso um investimento feito apenas pela premissa na obtenção de uma qualquer mais valia pessoal. Acreditámos que seria mais vantajoso alicerçar isso num projeto de cinema, séries, animação ou outro produto audiovisual. A partir daí criámos uma vantagem competitiva.

Em termos concretos o que já está feito e o que podemos contar?

No primeiro ano de execução temos já cerca de 25 candidaturas apresentadas.

Tudo para 2020?

Não, não. Já temos candidaturas em marcha. Já estão executados os contratos. Há produtores nacionais e internacionais que já estão a beneficiar do cash rebate. Uma das vantagens competitivas que quisemos lançar foi a rapidez da decisão. Até agora temos conseguido que os projetos apresentados sejam decididos em 20 dias. Isso é muito competitivo. Obriga-nos a tomar decisões rápidas. Neste espaço de tempo, os projetos são apoiados e financiados e o dinheiro entra na rua.

“Todos os grandes projetos de investimento que estão a ser analisados e avaliados têm de vir com uma boa carteira de encomendas”

Acha que este tipo de soluções poderá até criar alguma concorrência e alternativa ao enorme investimento, americano por exemplo, que é feito na Europa Central, nomeadamente nos grandes estúdios de Budapeste e Praga? É isso que nos falta, não concorda?

É verdade. Historicamente existem vários projetos de estúdios que não chegaram a ser devidamente implementados. Algarve, margem sul, Cascais, Sintra… Já existiram diversas tentativas de se criarem cidades do cinema. É certo que temos alguma lacuna nessa matéria. Existem estúdios de média dimensão que são bastante capazes de enfrentar grande parte da produção, como o caso da Plural. Mas fazem falta grandes estúdios e grandes casas de pós produção como tem, por exemplo, Espanha. Só que isso depois é muito difícil de alimentar. Agora uma coisa é certa, todos grandes projetos de investimento que estão a ser analisados e avaliados têm a noção que têm de vir com uma boa carteira de encomendas caso contrário estamos a criar elefantes brancos.

Presumo que não estamos apenas a pensar no cinema?

A abertura é total. Cinema, televisão, web series… Hoje em dia as fronteiras do audiovisual estão cada vez mais alargadas. Faz-se cinema e audiovisual em plataformas diferentes. Por outro lado temos de tentar fixar o grande know how que se perdeu. Enquanto organismo público temos de ter essa preocupação social, porque estes programas não são apenas para colocar Portugal no mapa. Todos os anos estamos a lançar jovens licenciados em cinema, em produção, no que se entender. Mas depois não temos espaço de fixar esse talento nacional. Isso é algo que nos deve preocupar. Foi um pouco também esse pano de fundo que nos levou a criar este sistema de atração e fixação de talento nacional.

É claro que para além dentro deste cenário otimista verificamos no último boletim do ICA que existe um decréscimo significativo de espetadores nas salas de cinema. Até que ponto esta ‘moda do cinema em Portugal’ pode também animar o parque de salas?

Devemos ver estas tendências em ciclos mais alargados. O ano passado foi o primeiro ano em que houve um decréscimo. Não foi muito significativo, mas ainda assim um decréscimo. Apesar de tudo estamos com mais salas do que o ano passado. Talvez sejam mais monocromáticas, se quisermos, mais dedicadas a um tipo de cinema, de lógica de distribuição, mas não temos menos ecrãs do que tínhamos há dez anos atrás. Outra coisa é a mudança nos hábitos dos consumidores.

Para além disso temos salas, como o Monumental, uma referência em Lisboa, que ameaçam fechar.

Isso é um outro tipo de problema. O problema geral de consumo em sala é um problema global. É o próprio negócio que está a mudar. Um outro problema mais sério, que não tem tanto a ver com isso, é a quota de mercado do cinema português. Nós temos uma quota extremamente baixa para os valores portugueses. Nesse sentido temos de perceber o que podemos fazer para a alterar. Isso não tem a ver com uma tentativa de condicionar o cinema que se faz em Portugal. Agora temos de garantir que existe mais diferenciação para o produto português e europeu, que existem condições de consumo razoáveis. Coisa que neste momento não existe. Nós temos uma exibição e distribuição excessivamente concentrada em grandes players. Isso condiciona bastante a estratégia do cinema português. Não quer dizer que não façam a divulgação da estratégia do cinema português. Mas o cinema português precisa de mais tempo.

 “Temos uma exibição e distribuição excessivamente concentrada em grandes players 

Também não é um cinema com capacidade de viajar muito para além do circuito dos festivais…

Nem todos os filmes portugueses e europeus são feitos para terem muito púbico. Mas temos agora muito mais capacidade de fazer público do que anteriormente. Os resultados podem ser diferentes se tiverem mais janelas de exibição, mais tempo de exibição, um trabalho de promoção mais prolongado, contextualização diferente da própria obra que é vista.

Mas será só esse o problema?

Os problemas de consumo de cinema português têm também a ver com condições de iliteracia cinematográfica que existe efetivamente em Portugal. Portugal não tem só baixos níveis de consumo de cinema, são os próprios hábitos de consumo que são extremamente baixos. Temos poucas visitas a galerias, poucas idas ao teatro, pouca leitura de livros. Historicamente somos um país com poucos hábitos culturais. O problema da iliteracia em Portugal tem de ser combatido. E o cinema e um dos dados mais fáceis de avaliar. São dados credíveis. Temos de garantir que existe cada vez mais diversidade de oferta, que damos àqueles que são produtores, distribuidores e exibidores independentes outras condições para trabalhar. É algo a que temos de estar muito atentos, porque não podemos ter uma cidade como Lisboa com duas salas de cinema independente.

Ainda assim, temos aqui em Berlim um cinema português que é acarinhado e que frequentemente alcança com vários prémios. Como é que se faz esse balanço entre o cinema de festivais e o público?

Também há festivais e festivais. O festival de Berlim tem características de programação e de gosto que são especialmente adequadas ao cinema que produzimos em Portugal. Já sabemos que não são cinemas que atacam grandes públicos, mas servem muitos pequenos nichos. E com uma capacidade de exportação que o cinema dirigido ao grande público se calhar não tem. Sabemos que um projeto que é sinalizado em Berlim tem à partida condições para se alargar geograficamente a outro tipo de produto com menos intervenção. Os festivais são centrais para esta estratégia de internacionalização da cultura portuguesa.

Nesse aspeto, o ICA pode intervir.

Sim, mas o ICA faz parte do Ministério da Cultura, não faz parte do Ministério da Economia, portanto temos de ter preocupações culturais e dar as melhores condições para garantir que os nossos criadores produzam em condições de serem exibidos em festivais e apreciados internamente. O prestígio que Portugal tem no cinema e audiovisual vem do seu sucesso internacional, nomeadamente do seu sucesso em festivais. Nós sentimos todos os dias no nosso instituto o prestigio que temos. Ou seja, apesar de um mercado pequeno acabamos por ter um reconhecimento superior. Somos atrevidos no produto que temos e temos uma capacidade de fazer coisas diferentes. Somos vanguardistas no melhor sentido do termo. Eu orgulho-me imenso do cinema que temos.

Temos então motivos para sair de Berlim com entusiasmo?

Eu saio sempre de Berlim rejuvenescido (risos). Cada vez que há um filme selecionado para uma das diferentes secções é sempre um motivo de orgulho e de esperança para aquilo que é feito em Portugal. Mesmo em condições muito difíceis, é um caminho reconhecido internacionalmente. Isso é ótimo.

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