Sexta-feira, Março 29, 2024
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Terra Franca: Leonor Teles filma um admirável western familiar em Vila Franca

Já sabíamos que por detrás do corpo lado franzino e do rosto maria-rapaz de Leonor Teles residia a determinação de uma cineasta que sabe muito bem o que quer e que vai por onde o seu cinema a leva. E vai muito bem no registo de verdade do universo de um pescador e da narrativa dos preparativos para um casamento familiar. Talvez a verdadeira intenção seja até observar este homem, Albertino, um velho lobo do rio, mas que bem poderia ser um cavaleiro solitário na melhor tradição do western de John Ford ou Clint Eastwood, em que o seu corpo vive dominado paisagem, aqui o rio Tejo, e dividido pela família. Só isso já dava um belo filme.

Deste trabalho de fôlego arranca a primeira longa metragem de Leonor Teles, quase três anos depois de arrebatar o Urso de Ouro em Berlim com ousadia da curta A Balada de um Batráquio, em que a própria realizadora entrava em lojas de bairro em Lisboa para escaqueirar aqueles sapos de louça assumidos como amuleto ou espanta ciganos. Seguramente, a forma mais decidida para afirmar de onde vinha e a apontar para onde queria ir.

Terra Franca é o filme de Albertino, o pescador solitário, o senhor dos seus hábitos simples e o bom chefe de família. A conjugação dessa personagem intimamente ligada à paisagem litoral e francamente cinematográfica de Vila Franca ajudou a desenhar o filme mental com que Leonor partiu para este projeto. Algo que ganha o devido corpo ao fazer-nos descobrir a família deste homem prestes a casar uma das filhas. É então nessa rota de prevarativos que vamos conhecendo melhor o substrato do homem que só aparentemente se deixa diluir no interior desta família de mulheres, mas que emerge sempre com glória nos seus momentos de solidão junto ao rio.

Leonor conhecia bem esta história, convivia de perto com ela, mas o seu talento e o mérito do filme está na forma serena e igualmente arrebatadora como a transpõe para o ecrã. Nesse sentido, Terra Franca vive nos antípodas da falsa Balada. Talvez porque no seu cinema tudo é muito mais do que meras aparências. É talvez aí que reside a força deste cinema feito de realidade. Veja-se por exemplo, como aos momentos de partilha familiar, tipicamente portuguesa, em que nada parece acontecer, vai Leonor introduzindo inesperados momentos muscais como os standards de jazz na linha de Nat King Cole, acabando por espessar emocionalmente a sua conceção de cinema narrativo. É por essas e por outras, por exemplo, pela forma gradual com que vamos conhecendo esta família e passar a gostar dela, que Terra Franca cresce como o belo filme que tinha de ser ser.

 

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