Terça-feira, Março 19, 2024
InícioFestivaisCaminhos do Cinema PortuguêsCCP: assim vivemos as diferentes procuras e caminhos do cinema português

CCP: assim vivemos as diferentes procuras e caminhos do cinema português

 Dia 5. Paulo Carneiro, Gonçalo Robalo, Ana Moreira ou Marco Amaral. É a força dos jovens realizadores em missão de procura

Têm sido várias as curtas a trilhar os ‘Caminhos’ de Coimbra depois da passagem pelo Curtas de Vila do Conde ou o IndieLisboa. Seguramente, o melhor da mais recente safra do cinema luso em pequeno formato. Vimos algumas delas na passada quarta-feira.

Uma das mais saborosas foi a proposta de Gonçalo Robalo, Os Mortos, ao descrever num texto em off a estranheza da sua proximidade com a morte em diferentes momentos da sua vida e do contacto com pessoas que desapareceram. O efeito é reforçado pela opção de fotos comentadas que auscultam um passado que conhece. Isto até se confrontar com o sinal do seu próprio corpo. É um filme de texto, mas em que as imagens fixas nos permitem viajar ao sabor das palavras. São as idas que fazia em garoto com um familiar à feira Popular ver o Poço da Morte, ou ao cinema ver o Trinitá, que evocam também alguns desaparecidos. Rostos de familiares com um destino marcado. Até que chegamos à foto do próprio realizador em bata de hospital, como que a anunciar a crónica da sua própria morte. Os Mortos é filme insólito cujo efeito acaba por ser empolgado pelo belo diálogo desta narativa fotográfica.

Ficamos igualmente presos às imagens intensas de Ivo M. Ferreira, captadas na areias e as águas da Ria Formosa na ilha da Culatra, no Algarve. Em Equinócio, Alba Batista (a nova starlete nacional e que veremos também em Leviano) e Margarida Vila-Nova levam a essas areias um destino feito de cinzas num cofre fúnebre que irão despositar. É a vida que passa, em imagens e cenários que parecem contar algo que ficou para trás e não chegamos a conhecer.

Tivemos igualmente oportunidade de descobrir ainda a estreia de Ana Moreira na realização, em Aquaparque, no cenário despido de um parque aquático para espelhar um diálogo entre o desencanto de uma geração algo perdida que começa a sentir a vida cair-lhe em cima. A actriz mostrou ainda sua maturidade na curta de Marco Amaral, Três Anos Depois, com produção da Ukbar Films e que teve passagem no festival de Locarno. Marco Amaral capta esse tempo marcado no rosto no limiar da tempestade.

Neste ritual de procura a ideia assume um peso bem maior no filme de Paulo Carneiro, Bostofrio, oú le ciel rejoint la terre, em que se percebe o cuidado da programação de João Pais, dos Caminhos do Cinema Português. Até porque aqui é o próprio realizador que convida a câmara para o seguir até Tràs-on-Montes, à aldeia de Bostofrio, ou Boticas, na sua procura descoberta de si próprio, o seja, do avô que não perfilhou o pai.

Esta é também uma narrativa que nos remete para um Portugal rural isolamento rural, bem próximo de uma brutalidade de costumes. Aí Paulo Carneiro vai abordando várias personagens como que à procura de um autor que justifique a sua própria história, a sua própria existência. Corajosa esta incursão tão pessoal a um cinema de verdade, por sinal, um dos filmes mais curiosos que vimos neste festival.

Coimbra viu finalmente Peregrinação, de João Botelho, um filme já com estreia nacional há já um ano, e que narra a adaptação do livro de viagens de Fernão Mendes Pinto, em pleno século XVI, embora publicado apenas 30 anos depois da sua morte. Uma vez mais, Botelho contorna as limitações óbvias de orçamento, e algumas até de ordem histórica (ou de veracidade) para dar enlevo numa produção low cost a uma personagem de grande feitos, de resto acompanhados com a música Fausto, Por Este Rio Acima, de 1982, mas que parece ter sido feito como banda sonora para aproximar Peregrinação a uma opereta. Mais um desejo de acrescentar obra a uma filmografia já marcada por filmes de acompanhamento pedagógico e histório de valor, como a adaptação de Os Maias (2015), sobre a obra mestra de Eça, ou Filme do Desassossego, sobre a criação de Fernando Pessoa.

Por fim, vimos igualmente Leviano, o filme de Justin Amorim, estreado em julho passado em que a distribuidora prescindiu de o mostrar à imprensa. Percebe-se agora porquê (não tivemos oportunidade de o ver antes). Não deve ser segredo nenhum que Leviano assume a intenção de se afirmar como um produto declaradamente comercial, embalado com um fino recorte de produção publicitária, admirando um elenco inegavelmente sexy a fazer o que pode num guião apimentado e destinado a provocar a curiosidade ao espetador mais calhado com o pequeno ecrã. Naturamente, nada de mal vem ao mundo nesta opção estética de videoclip com enredo que mais parece ser retirado de tablóides. Mesmo que o próprio assuma a proximidade com o estilo de Sofia Coppola, versão Bling Ring, ou Harmony Korine, no alucinado Springbreak, a realidade aaba por ser um formato sem consistência.

O olhar e o ouvido é sempre bem tratado com os planos rigorosos, que poderiam muito bem ser de clips a emular um estilo americana (algo a que Justin não será alheio, pois nasceu no Canadá e viveu e estudou cinema nos EUA), sempre em décors com produção para capa de revista. O elenco não deixa dúvidas e faz desfilar carinhas e corpinhos belos, como se estivessem na passarelle, deslizando sempre em super slow motion. Anabela Teixeira é uma socialite que apre a sua porta a uma repórter de tablóide para apresentar as filhas, as manas Paixão defendidas por Alba Batista, talvez um das jovens atrizes em maior demanda, Mikaela Lupo e Diana Marquês Guerra.

A história será o que menos interessa, já que é um mero mapa para fazer das espaço aos corpos e a algumas cenas mais picantes, incluindo cena de sexo em grupo, uma violação ou uma masturbação. Enfim, os elementos mais calóricos de um pretenso mistério que apenas se vai desenrolando à medida que vamos revendo os acontecimentos.

O problema de Leviano é a receita. Ou seja, esperar que a apresentação de um produto apetecível e palpitante, relativamente bem embalado, desperte uma curiosidade global para encher as salas de cinema. Uma aposta semelhante foi percorrida por Linhas de Sangue, um filme desastroso estreado na mesma altura, apenas a apostar do estalhafato entre o horror chic e a comédia non sense. Apesar de ser um filme que também aposta numa fórmula de embrulho vistoso, embora sem conteúdo, Leviano acaba por ser um filme bem melhor.

RELATED ARTICLES

Mais populares