Terça-feira, Março 19, 2024
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Cannes aquece com romance eterno. Sim, eles sempre terão a sua Polónia

71º Festival de Cannes – Competição

Pode dizer-se que Cold War, do polaco Pawel Pawlikowski foi filme o mais nos aqueceu nestes primeiros dias do Festival de Cannes. De certo modo, será um óbvio ‘companheiro de viagem’ de Leto, de Kirill Sebrennikov, igualmente em competição. Não só pela opção do registo fotográfico a preto branco, mas talvez mais ainda pela evocação desse período mais centralizado vivido com particular intensidade na Europa Central.

Tal como no anterior e multipremiado Ida, a descoberta do mundo era alcançado por uma rapariga que abandonava a vida de convento católico, aqui essa descoberta faz-se a partir de uma curiosa aproximação à herança do cinema documental, com imagens etnográficas rurais em 1946, com que o cineasta polaco iniciou a sua carreira, mas também pelas alternativas na Europa.

São essas as primeiras imagens do filme, a mostrar-nos a riqueza do folclore nacional, que vemos evoluir depois para as coreografias e a banda sonora do regime pela descoberta do talento de Zula após uma descoberta num casting por Wiktor “ela tem algo especial”, dirá na altura. Naturalmente, o romance nasce com uma promessa de amor eterno.

Mais intenso o polaco, sublinhado de resto pela fotografia irrepreensível de Lukasz Zal, ainda este ano recriou o ambiente de Dovlatov, de Alexei German, visto em concurso para o Urso de Ouro em Berlim, a replicar um ambiente semelhante do mundo literário e artístico nos anos 70 em Leninegrado. Mas é mesmo nesse rigor plástico e visual que Sebrennikov fica aquém do mesmo feitiço do tempo, ao recriar os seus anos 80 de Leninegrado.

Centremo-nos no trabalho de Pawlikowski, bem como no seu guião, e nesta intensa e irregular história de amor entre Wiktor e Zula, excelentes Tomasz Kot e Joanna Kulig, ao longo de um período suficientemente longo, desde o pós-guerra e consequente início da cortina de ferro, na Polónia, passando depois por uma Berlim dividida e uma bucólica Paris e Jugoslávia.

Só que essa é uma viagem de amores interrompidos e separados, devidamente acompanhada por tonalidades sonoras que medem a temperatura dessa paixão. Isto depois de decidirem fugir da Polónia, embora acabando por ir apenas Wiktor; Zula ficara para trás, pessimista no sucesso da escapada.

Este é um romance vivido à distância, pouco concretizado, que acabou por ter outras vidas de permeio. Mas que perdurou. E que se sente de uma forma intensa, mas que não tenha de ser obsessivo. De certa forma, esse faz parte dos romances plenos, embora doridos, um amor frio, sem o calor, ou uma guerra fria? Talvez por isso nos venha a memória outro romance tolhido, como o de Ingrid Bergman e Humphrey Bogart em Casablanca.

Sim, Viktor e Zula sempre terão a Polónia e merecem mesmo essa dimensão clássica. Até porque chegamos ao final com aquela sequência final, aquele derradeiro plano, simbolicamente ‘dedicado aos seus pais’, de um banco vazio que constituem das coisas mais belas que o cinema há muito não nos dava.

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