Quinta-feira, Março 28, 2024
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Ilha dos Cães: Os cães danados de Wes Anderson homenageiam Kurosawa

O cinema de Wes Anderson é feito de deslumbramento. Há algo na sua criação meticulosa e profundamente artística que se aproxima de vinhetas animadas, em que cada quadro obedece a uma composição precisa. Algo que se torna ainda mais evidente em Ilha dos Cães, onde leva ainda mais longe a sua profunda admiração pela animação plástica stop motion. Esta história protagonizada por cães danados elaborada por Wes Anderson, que funde a herança do cinema japonês com o género do western, cresceu com a colaboração conjunta de Jason Schwartzman e do seu primo Roman Coppola, bem como de Kunichi Nomura (que também colaborou em Budapest e em Lost in Translation/O Amor é um Lugar Estranho, de Sofia Coppola).

A ideia que vingou partiu de um pressuposto, como se Akira Kurosawa, nos anos 60, decidisse fazer um filme futurista, ou seja, em 2017. E porque não? É precisamente essa a sua primeira ousadia, ainda que despretensiosa, com o condão de elevar este pequeno filme a algo mais grandioso. A ideia, explicou o realizador em Berlim, em fevereiro passado, onde o filme foi exibido na sessão de abertura, foi combinar dois elementos cães abandonados a viver no lixo e ainda a tal devoção cinéfila por Kurosawa e a minha paixão pelo Japão. 

É claro que é difícil, impossível mesmo, dissociar este filme da sua anterior animação, criada há quase uma década – O Fantástico Senhor Raposo é de 2009 – onde os próprios canídeos conservam ainda parte desse DNA fílmico. O cenário é o de uma praga causada por cães, outrora adorados, agora odiados e exilados pelo Mayor Kobayashi. É claro que aqui também se podem incluir indícios de  outros seres marginalizados, abusados, violentados, seja da realidade atual ou dos ambientes dos filmes clássicos em que se baseou, como Cão Danado, de 1949, num dos primeiros trabalhos de Toshiro Mifune, ou outros que retratam o Japão do pós-guerra, como High and Low, Stray Dog ou Drunken Angel, em que se sente também alguma influência do desencantado cinema noir americano. Contudo, Wes procurou sempre seguir o credo que deixou escrito no seu livro de apontamentos: ou seja, keep it poetic.

Uma vez mais, claro, com um cast de nomes sonantes, entre habituais colaboradores e amigos, para dobrar as vozes dos diversos animais e personagens. Como o próprio confirmou na conferência de imprensa em Berlim, em que participámos, é difícil dizer não a uma animação, pois pode fazer-se em casa, onde se quiser, quando quiser, salientou. Razão pela qual contamos com a presenças muito lá de casa, como de Bill Murray, Jason Schwartzman, Bob Balaban, Bryan Cranston, Scarlett Johansson, Tilda Swinton, Greta Gerwig entre outros. Até Yoko Ono emprestou a voz. Assim se acrescenta personalidade a estes cães alfa-dogs que procuram sobreviver num verdadeiro mundo-cão.

Ilha dos Cães é uma história tocante, até pelo facto de ter sido feita em animação artesanal, confirmada depois por uma nova fábula humanizada e tocada pelo seu habitual e fino humor que atravessa o filme todo. Ideal para comparar neste mundo cada vez mais digital e em que o cinema de super heróis desafia o próprio infinito. Por isso mesmo, esta matilha canina na sua deriva numa ilha de lixo acaba por ser bem mais pertinente do que se possa imaginar.

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