Quinta-feira, Março 28, 2024
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Death Wish – A Vingança: Bruce Willis promove a lei da bala em filme reacionário

O que acontece quando os bons homens de família se convertem em justiceiros por conta própria, ou vigilantesà boa maneira americana? Bruce Willis apresenta uma resposta possível Death Wish – A Vingança, ao recuperar a pele do durão Paul Kersey, um papel outrora encabeçado por Charles Bronson que caiu no goto com o original Death Wish, em 1974, e que por cá se chamou O Justiceiro da Noite. Um sucesso que acabou replicado em novas versões ao longo de boa parte dos anos 80, com o populista O Vingador da Noite, seguido de O Justiceiro de Nova Iorque, sempre assinados pelo britânico Michael Winner, exceto a última versão, O Exterminador da Noite, de certa forma a servir o mercado e a funcionar em modo de piloto automático. Mas o que terá de novo esta versão de Eli Roth, aqui um tudo nada a desviar-se da sua carreira dehorror movies? Isto para além de ser um filme tipicamente da era Trump.

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Na verdade, Roth segue até bem de perto a trama das personagens criadas no papel pelo autor Brian Garfield, com o arquiteto Kersey a sofrer diversas perdas na família e a embarcar nessa jornada de vigilante empenhado a impor essa trilha de revenge movies. Se pensarmos bem, estamos bem perto da trama de um qualquer shooterversão gaming. Pensemos em The Punisher,por exemplo, e percebemos como a morte de um elemento familiar é capaz de dotar a alma mais pacata no mais cruel assassino por contra própria. Mas não é esta um pouco a mitologia americana? O de resolver tudo à lei da bala?

Temos então Bruce Willis a fazer de Charles Bronson e a cavar a sugestão de novos desenvolvimentos. E não é ele que diz a certa altura,Alguém tinha de o fazer, como que a justificar-se da opção de se substituir às forças da lei e converter-se num defensor da comunidade na sequência do trauma violento que afetou a sua família. Só que OJusticeiro da Noite foi um filme marcado por uma era particularmente conturbada nos EUA, em que o crime nas ruas era comum. De resto, não foi sequer difícil chegar à conclusão de se essa era mesmo de um filme da era Nixon. Com a particularidade de ter estreado nos EUA a 24 de julho de 1974, portanto em pleno escândalo Watergate, e apenas a dias antes da sua própria resignação (a 8 de agosto).

É nessa vontade de querer ir à origem da mitologia, a um perto populismo perigoso, que leva ao debate, sempre populista, de justificar aqueles que pegam em armas para substituir a autoridade, que Death Wish, curiosamente aqui a usar o título original do primeiro filme, assume o lado mais perigoso dessa ligação dos americanos a armas de fogo. Nesse sentido, parece mesmo um filme patrocinado pela NRA (a National Rifle Association, o maior lobby contra a venda indiscriminada de armas).

Isto apesar de Paul Kersey, versão Bruce Willis, se assumir agora como um cirurgião que salva vidas, mas que após a morte da mulher (Elisabeth Shue numa curtíssima prestação) e os ferimentos graves da filha (Camila Morrone) rapidamente passa a sentir o gozo de eliminar à queima roupa todos os facínoras que lhe passam pela mira. Vemo-lo mesmo a visitar uma loja de armas, que nos EUA aparecem como cadeias de fast food, com jovens decotadas a servirem bazookastal como no Hooters as moçoilas servem camarão frito em peito de silicone. Outra variante, para além da variedade de armas à disposição, é a cultura século XXI, em que o youtube já faz parte integrante.

A questão que podemos colocar pode ser esta: para que serve um filme como Death Wish – A Vingança? Parece-nos até que todo esse discurso que atravessa o filme está consideravelmente ultrapassado, sobretudo num país cujo perigo maior parece vir do desvario de jovens transtornados ou lobos solitários capazes de descarregar cartuchos de artilharia contra inocentes. Pelo menos, nos anos 70, Bronson aparecia como um veterano da guerra da Coreia, embora objetor de consciência. Já Willis debate-se com o tal dever de tentar salvar vidas com o bisturi e ceifá-las com a mira da pistola. Vincent D’Onofrio, no papel do irmão mais novo de Paulo, faz pouco mais de verbo de encher num filme cuja narrativa não quer perder tempo a trabalhar em demasia as personagens secundárias.

Enfim, e aqui passamos de novo para a tal zona de fronteira com a narrativa esquálida de certos videojogos que apenas servem o propósito da ação. É um pouco isso que temos agora: o cidadão acidental que se converte numa lenda das redes sociais chamada Grim Reaper, a tal personagem escondida debaixo de um hoodieque alimenta debates na rádio e ocupa as manchetes da imprensa. Filme fora de época, reacionário mesmo, que se serve mesmo do tema Black in Black, para glorificar um amontoado de clichés destinados a uma sessão de entretenimento sem ter de maçar neurónios.

Eli Roth sai do terreno do horror para dar vida com um desfibrilhador a um nado morto e enterrado na franchise dominada por Charles Bronson. Com um sereno Bruce Willis tão frio a usar o bisturi como a mira da pistola no papel de um vigilante a vingar a justiça pelas suas próprias mãos. Aguenta-se como adaptação do original de 1974, mas não deixa de ser um filme desfasado da realidade.

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