Quinta-feira, Abril 18, 2024
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Sem Amor: a desagregação familiar na terra de Putin

O cinema do russo Andrey Zvyagintsev parece contrariar uma certa crise de ideias da filmografia local, outrora uma das grandes potências mundiais. Só que o país que também já foi império tem vivido nos últimos anos um tempo de depressão e desencanto. Depois de um olhar ao sistema de favores e corrupção da sociedade russa, no excelente Leviatã, Zvyagintsev olha agora à lupa essa classe média desagregada e desencantada. Com a particularidade de em Sem Amor, adicionar um elemento premonitório, quase apocalíptico, ainda que sob a forma de um esboço de mistério policial.

Como é habitual, todo o trabalho de câmara e cuidadoso e de enorme rigor, pelo menos desde Elena (2011). O filme começa com uma imagem bela de uma panorâmica em redor de uma árvore, que acabará por ser chave de parte do mistério que acompanharemos durante um pouco mais de duas horas.

Quando o filme assenta no desenlace de um casal, com consequências nefastas para o pré-adolescente, percebemos que esse ambiente de desamor é contagiante por toda a sociedade, como se todos estivessem apenas preocupados em fazer dinheiro ou, pura e simplesmente existir de acordo com as regras imutáveis. Como desaparecimento do jovem, esse mundo acaba por desabar – o tal fim do mundo prenunciado por uma notícia na rádio – a dúvida do que sucedeu cresce, ainda que Sem Amor não pretenda cumprir a conclusão do género thriller.

Mesmo sem estar ao nível do anterior Leviatã, acaba por ser o exercício de cinema mais forte e coerente dos filmes que estiveram presentes em competição no passado Festival de Cannes. Depois dos prémios do Cinema Europeu, onde Zvyagintsev foi nomeado para Melhor Realizador, teve inscrição também nos eleitos finais para a nomeação ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.

(artigo publicado durante o festival de Cannes 2017, agora com nova edição)

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