Sexta-feira, Abril 19, 2024
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Stephen Frears: “Acho que sou um dinossauro no cinema”

A propósito da estreia de Vitória e Abdul

O realizador britânico oferece-nos uma comédia de câmara ambientada na corte da Rainha Vitória com a inevitável dama Judi Dench empenhada em novo real papel. Um reencontro depois de ambos terem trabalhado em Filomena. Esta é uma entrevista que se começa a falar de sexo e se acaba a falar em realidade virtual e em televisão.

 

Stephen Frears é, como o próprio indica, um “dinossauro”. Não tanto pelo lado passadista ou démodé, mas sobretudo pela fama temível que alcançou como entrevistado. Algo que diverte o britânico e que combina com uma falsa arrogância sempre temperada de fina ironia. Este estilo muito particular descobrimos durante a nossa primeira entrevista com Mr. Frears, já lá vão alguns anos, concretamente em 1998, em Berlim, a propósito do seu western pós-guerra Hi-Lo Country ou Terra Perdida, como se chamou em Portugal. Surpreendeu-nos as respostas de uma palavra só, as embaraçosas interrogações provocatórias, embora sempre tocadas por um fino bom humor. Ao longo dos anos fomos interpretando este seu estilo e procurando ter sempre à mão novas perguntas. Com ele dá sempre jeito.

Em Vitória & Abdul, que agora estreia nas nossas salas, oferece-nos uma visão mais ou menos romântica da Rainha Vitória, já na derradeira fase da sua vida. Sobretudo pelas crónicas que narram a curiosidade que despertou por um súbdito muçulmano da sua colónia na Índia, Abdul Karim (Ali Faizal) encarregue de transportar à capital do império uma medalha para a Rainha. Só que a sua ousadia deste criado para quebrar protocolos, aliada ao seu bom aspeto físico, motivaram uma curiosidade na monarca que acabou por o reter na sua corte como conselheiro pessoal. Uma relação que passou a ser até demasiado pessoal, segundo rezam os diários de Abdul, recentemente descobertos e que incluem correspondência da rainha com alguma trocas de mimos que permitem a alguns especular até onde teria ido essa amizade.

Foi de resto por aí que começou a nossa conversa com Stephen Frears, numa das salas amplas do histórico Hotel Cipriani, na ilha de Guidecca, mesmo a olhar para São Marco. Mas tal como um humor vertido em cada diálogo por Lee Hall, que acompanha todo o filme, também a nossa entrevista com o autor de Vitória & Abdul, Ligações Perigosas, A Rainha e Filomena, foi igualmente acompanhada por um riso miudinho.

 

Acabámos de perguntar à dame Judi Dench sobre a vida sexual da Rainha Vitória…

A sério?! Que disparate…

(risos) Mas qual é o seu ponto e vista?

Sobre quê?

Bom, sobre a vida sexual?…

A sua?

(risos) Não, não, a da Rainha.

Da Vitória?! Não sei nada disso. Fico chocado só com a pergunta…

No entanto, parecem haver relatos de que ela terá mesmo tido sexo com o Abdul.

Lá está. É chocante. Você devia ter vergonha na cara…

Seja como for, este é um filme baseado em factos verídicos – “Quase”.

“Quase”.

O que significa esse “quase”?

Significa que não é um documentário.

Pois não, Vitória & Abdul é de resto, um filme muito divertido.

Sim. Porque podemos fazer piadas. Dá-nos essa liberdade.

Foi algo deliberado?

Já foi escrito com essas piadas. Eu gosto dessas piadas. Receio mesmo que seja uma pessoa muito frívola.

É claro que é grande entretenimento.

Espere lá, que o mais queria?

Bom…

Diga lá, que mais queria? É entretenimento puro. Escreva isso. O que mais queria? Entretenimento puro.

Mas num segundo nível ficamos curiosos para saber se, historicamente, era mesmo verdade ou não.

Não sei, é a resposta. Há coisas que descobrimos. Não sei onde traçamos um limite. Foi isto que me foi pedido para fazer.

É verdade que foi pedido um ator mais alto para fazer de Abdul de modo a parecer que a Judi era ainda mais baixa?

Por acaso, isso é algo que sei sobre a Vitória. Ela queria que ele ficasse atrás dela, pois isso fazia com que ficasse com melhor imagem.

Sim, a altura era relevante.

Ela era muito pequena, mais baixa que a Judi.

O que acha que a fazia ter aquela imagem de poder?

Era a imperatriz da Índia. O que acha que era? Ela era a mulher mais poderosa do mundo.

E porque se vestia sempre de negro podia fazer o que lhe apetecia, certo?

Não sei bem o que isso tem a ver com o que estávamos a dizer…

Trajar luto, como forma de poder.

Sim, o luto. Talvez.

Mudando de assunto, como se lembrou do Eddie (Izzard) para o papel de Bertie (o futuro Henrique VIII)?

O Eddie? Pergunta bem, quem se terá lembrado disso? Mas ele está fantástico nesse papel. Mas não sei quem teve essa ideia. Alguém que me convenceu, mas não me lembro. Gosto do facto de ser a personagem menos divertida do filme. Não sei porque este papel fez sentido para ele. Mas está muito bem. O Eddie é também muito bom no teatro. É brilhante.

Fez A Rainha, um filme algo sóbrio, ainda que com alguns momentos ligeiros, e depois o Filomena, que era bastante sério…

Eu sou muito divertido…

Este filme é deliberadamente cómico…

Shockingly comic! Foi o argumentista que escreveu as piadas, não fui eu.

Mas porque quis meter o humor nesta história?

Porque ele esteve sempre lá. Esteve sempre. Eu apenas gostei do que li.

A questão é o que pediu ao argumentista Lee Hall para o tornar assim tão divertido?

Porque ele gosta de escrever piadas, acho eu. E as pessoas gostam de coisas com piada. Como já disse, é entretenimento…

Mas este é também um filme mais mainstream.

Eu acho que é bastante interessante. É um fenómeno bem interessante. Lembro-me que quando fiz Ligações Perigosas (1988) assistir pela primeira a uma antestreia de um filme meu. Sentei-me num cinema em Passadena e vi as pessoas a assistirem ao filme que eu tinha realizado. Quando trabalhei na televisão estávamos afastados do público. Talvez por isso, uma das coisas que aprendi nestes últimos trinta anos foi sobre o público. É algo que se percebe rapidamente. Vemos quando eles estão a ficar aborrecidos.

Mas já fez filmes divertidos, o Snapper (O Puto, de 1993), por exemplo.

Mas isso não tem nada a ver, é um filme muito pequeno. Não custa nada. Como A Minha Bela Lavandaria (1995), também não custou nada. Agora estes, sim, são caros, e necessitam de um público mais vasto. Não o mundo inteiro e a nossa avozinha para o ver quatro vezes, mas algum público decente para poderem sobreviverem.

Acha mesmo que podemos fazer um paralelo entre este filme e A Minha Bela Lavandaria?

Eu disse isso na conferência de imprensa, de uma forma algo jocosa, já que é um filme sobre um romance entre muçulmano e um britânico branco. Mas será melhor ficarmos por aí. Não iria mais adiante.

É verdade que neste caso usa o humor para cativar o público?

Não foi isso que disse o Christopher Hampton (guionista de As Ligações Perigosas)? Fazer piadas e envolver as pessoas. Embora isso seja bastante difícil de fazer.

No fundo, a ideia de que é difícil ser rainha. E, paradoxalmente, esse também o seu drama?

Sim, todos estes filmes são baseados nessa premissa – é que não é fácil ser-se rainha. No fundo, ela é uma mulher profundamente triste e sozinha. Ainda no outo dia, foi o Harry ou o William que disseram: “ninguém nesta família quer ser rei”. Eu lembro-me de pensar que o Charles era ao mesmo tempo a pessoa mais privilegiada e a menos privilegiada. Ou seja, esse emprego é insuportável. Ninguém o deveria fazer.

Glenn Close e John Malkovich, em Ligações Perigosas

Como avalia a mudança da sua carreira entre o tempo em que fez A Minha Bela Lavandaria, Ligações Perigosas, depois A Rainha (2006) e agora este filme?

Quando fiz Ligações Perigosas foi um salto enorme, pois havia muito mais dinheiro. Não podemos fingir que isso não aconteceu. Eu dei comigo a pensar que nunca tinha gasto tanto dinheiro. Sempre pensei que o guião das Ligações era fantástico.

Como foi dirigir a Judi? Deu-lhe algumas instruções?

A Judi? Normalmente, quando falo com ela acaba por sempre por me perguntar, “o que queres é que represente melhor?” Mas normalmente não o faço.

O que acha que ela tem que a faz ser tão boa?

Bom, ela faz isto há 50 anos, não é? É uma grande atriz, mas também uma grande mulher. É generosa, esperta e divertida. É muito inteligente. Calorosa… Coloque os adjetivos que quiserem. Em suma, é brilhante.

Neste filme, o Stephen trabalha com pessoas que fizeram muito teatro, que conhecem bem Shakespeare. Mas trabalhou também com estrelas americanas, que talvez não tenham o mesmo background. Consegue sentir essa diferença?

Regressamos de novo a Ligações Perigosas, um filme que não quis fazer com atores britânicos, porque não queria que fosse uma comédia social. Só que os atores americanos não conseguiam fazê-lo em planos largos ou médios. Mas quando coloquei a câmara junto deles percebi que eram simplesmente fantásticos. Gradualmente, fui percebendo naquilo em que eram bons e fui-me adaptando. É claro que a Glenn Close era uma grande atriz de teatro, portanto conseguia fazê-lo, mas o John (Malkovich) e a Michelle (Pfeiffer) eram apenas gente de cinema e não conseguiam.

No entanto, o John tem uma longa carreira no teatro…

É o que você diz, mas quando lhe pedia para dizer algo mais rápido ele queixava-se que não sabia onde respirar. E quando lhe perguntei se não lhe ensinavam isso nas aulas de arte dramática ele disse-me que nunca tida tido nenhuma aula. Ele ia buscar essa energia a outro lado, à sua vontade e não força interior. Eu percebi durante a primeira semana de rodagem das Ligações Perigosas que estava a fazer um filme completamente diferente daquele que tinha imaginado.

Trabalhou bastante em televisão e vai voltar a fazê-lo em breve com A Very English Scandal

Sim, começo daqui a um mês. Sabem quem é o Jeremy Thorpe? O Jeremy Thorpe era um político, o chefe do Partido Liberal, mas era também um homossexual envergonhado. Ele tinha um romance com um rapaz e à medida que foi crescendo no Partido Liberal ficou cada vez ais nervoso com esta relação, até porque o rapaz fazia chantagem com ele. Por isso, decidiu arranjar maneira de o matarem. Contrataram um assassino, mas que falhou essa tentativa de assassinato, apenas mataram o seu cão. Uma histórica incrível.

O Stephen fez televisão em Inglaterra numa altura em que era excitante, embora não nos EUA, por exemplo. Como encara agora este regresso?

Isto porque os EUA deixaram de fazer filmes sobre a América. Deixaram de fazer algo que a televisão acabou por se apropriar. Depois, algo que os europeus passaram a fazer também. Aliás, sei perfeitamente que a televisão é muito mais interessante que o cinema.

A verdade é que hoje em dia a televisão se parece cada vez mais com o cinema. Veja-se o caso da Netflix, por exemplo. No seu caso, como encara este meio? O que é diferente para si?

Não vejo as coisas assim, apenas penso se este material é interessante ou não.

Tem Netflix?

Por acaso, não tenho. Sou demasiado arcaico, não tenho Netflix. Mas sei que é aí que está o material mais excitante. Eles já ganharam, não é? Seja a Netflix ou a Amazon.

Quando diz que as melhores narrativas estão na televisão, diz isso com alguma pena porque prefere o ecrã de cinema?

Não é nada disso. Digo isso porque vou fazer algo em televisão. Por outro lado, no cinema acho que sou um dinossauro. Um dinossauro com sorte, mas um dinossauro. Nós vamos ao cinema e está vazio. É estranho porque há milhões a ganhar. Porque razão não estão as pessoas a ver o último filme do George Clooney ou lá o que é? É algo bastante melancólico.

Assim sendo, como um dinossauro, o que acha da realidade virtual?

Ouça, com a minha idade nem tenho de pensar nisso. Mas não sei como conseguem fazer narrativa com isso. A narrativa envolve seleção, montagem. Talvez façam algo diferente.

Disse na conferência de imprensa que fez um filme relevante para os dias de hoje…

Eu disse isso? Não me parece coisa que eu dissesse… Eu teria dito que era algo inevitável. Se fizermos um filme sobre uma mulher branca e um muçulmano torna-se sempre relevante nos dias de hoje. Mas se pergunta porque eu gosto deste projeto é porque gosto das piadas, gosto da forma como estão escritas e o tema agradava-me. É essa mistura esse balanço que me agrada.

 

Uma parceria entre o Jornal i (ou Jornal Sol) e www.insider.pt

 

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