Sexta-feira, Março 29, 2024
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It: Os Sete e o palhaço asssassino

A cara do palhaço Pennywise assume-se como o ícone que antecipa mais uma franchise de horror baseada nesta nova adaptação de Stephen King. Se bem que tal exposição gráfica como que esvazia parcialmente o conceito mais abstrato do tal “it”, aquela “coisa” sobrenatural destinada a escavar o medo ancestral e o trauma mitológico escondido nos interstícios do subconsciente juvenil, tão bem ilustrado ao longo inquietante programa de inquietação deste autor. Uma inversão da gestão do horror destinada a provocar sobressaltos e os solavancos na poltrona mas que só faz espalhar pelo chão as pipocas. Seja como for, esta opção refletiu um resultado imediato no box-office americano onde o filme triplicou o seu orçamento logo no fim de semana de estreia, ultrapassando os 100 milhões de dólares. Por cá, It fez os primeiros “estragos” logo no encerramento do MOTELx, em Lisboa, em que se registou alguma inquietação e gritinhos nervosos.

Pennywise assume então a pretensão de inscrever a sua persona naquela galeria de seres malignos que habitam os pesadelos infanto-juvenis, na linha de Freddy Krueger, Jason e outros demónios. Uma personagem que recebera já em 1990 a devida adaptação televisiva com Tim Curry investido no papel do palhaço maldito. Papel que Bill Skarsgard (filho de Stellan) assume agora com alguma eficácia, num rosto alucinado e muito maquilhado que nos faz até recordar o Joker de Heath Ledger. Para já, fica servida a primeira parte do romance – o Capítulo 1 – ainda que a segunda parte, esteja já também anunciada.

Na repescagem do romance do final dos anos 80, surge à frente do projeto o relativamente desconhecido argentino Andy Muschietti, possivelmente devido ao resultado satisfatório obtido com Mamã, uma curta de 2008 que recebeu luz verde para versão longa, em 2013, igualmente a explorar os ecos do pânico juvenil. De resto, é também esse o alvo do romance de King, ao debruçar-se sobre um grupo de sete miúdos a viver o tal período de limbo entre a adolescência e a idade adulta, em que os tabus do sexo e da rejeição social se agigantam e os entrincheiram no grupo Loosers (falhados). O ambiente não poderia ser mais convincente, algures num mix de personagens que parecem sair de Spielberg num ambiente muito 80’s, contemporâneo de Arma-Mortífera ou Regresso ao Futuro. Isto mesmo que o livro de Stephen King situe os acontecimentos numa pequena cidade no final dos anos 50.

O início do filme até promete, com Bill (Jaden Lieberher) a despachar Georgie (Jackson Robert Scott), o irmão mais novo, oferecendo-lhe um barco de papel para ele deixar navegar no pequeno riacho que se formava naquela tarde chuvosa. Só que, para o pânico do garoto, o barquito acaba por entrar numa sarjeta. E é aqui que aparecem pela primeira vez aqueles “olhos amarelos” de Pennywise, um ser que se escondia na penumbra e o seduz com voz maliciosa oferecendo-lhe de volta o brinquedo. E aqui se dá o primeiro choque, aliado a alguma brutalidade trabalhada como se fosse um pesadelo alucinado. Assim ficamos a conhecer que, afinal de contas, a pacata cidade de Derry, no estado do Maine, tinha um historial de desaparecimento misterioso de crianças.

Como se não bastasse a perda familiar, Bill e os outros Loosers são forçados a lidar com a tradição do bullying local, mais ou menos instituído, pelos alunos mais velhos. Naturalmente, estaremos ao lado de Beverly (Sophia Lillis), uma rapariga a viver na sombra de um pai abusador, talvez por isso mesmo acabe por sentir alguma empatia pelo “gordo” desastrado Ben (Jeremy Ray Taylor) já atraído de forma velada por ela; mas também por Mike (Chosen Jakobs), forçado a trabalhar num matadouro da família, ou o hipocondríaco Eddie (Jack Dylan Grazer) sempre debaixo da asa da obesa mãe; sem esquecer o judeu Stanley (Wyatt Oleff), angustiado com as atribulações do seu bar mitzvah, e, por último, o míope Richie (Finn Wolfhard), o intelectual e tagarela do grupo. Será ao longo desse verão que este gang de outsiders lidará com as suas limitações, carência e solidão. Mas também com os incontáveis sustos.

Pena é que todo este filão narrativo (o livro original conta com mais de um milhar de páginas) acabe por apostar todas as fichas no caminho mais imediato do shocker e do susto permanente (e estridente!) tornando escassas as possibilidades narrativas de lidar de forma mais pausada com o suspense, a inquietação – afinal de contas, o medo gosta mais de viver aí. Só se compreenderá esta vertente pela vontade da partilha dos gritinhos na sala do cinema diante das várias transformações deste palhaço que nos parece oferecer um balão vermelho como engodo a este circo macabro. De resto, um estado de espírito que se torna necessariamente contagiante, como tivemos ocasião de presenciar na antestreia que assistimos em Lisboa, em sala IMAX.

Por outro lado, o filme revela algum desequilíbrio na forma como evoca uma história de pequenos adolescentes – esta bem podia ser uma nova aventura dos sete -, se bem que num território de horror vedado para esta faixa etária. Ficamos assim a meio caminho, entre um filme de adolescentes vedado a menores, embora também limitado por essa trama pueril. Sobretudo porque depressa ficamos mais ou menos imunes aos excessos de um filme que não domina completamente o seu público. Dito isto, cumpre também sublinhar que a deriva deste grupinho é até o mais interessante de It, embora aqui e ali sintamos o distanciamento como que a rever um clássico tipo Regresso ao Futuro ou Arma Mortífera, de resto, referenciado em It. Ficamos assim à espera do segundo capítulo, onde os Loosers já prometeram num pacto de sangue em que voltarão a encontrar-se caso surja um motivo semelhante. Além dessa confirmação da sequela – os números falam por si -, sabe-se igualmente que tanto Bill Skarsgard confirmará o regresso de novo vestido de palhaço Pennywise e que Andy Muschietti se manterá ao volante desta nova promessa de shocker!

 

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