Quinta-feira, Março 28, 2024
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Convento de Cristo: “O que se passou ou foi má informação, má intenção ou um pouco de ambas”

EXCLUSIVO INSIDER

Pablo Iraola, produtor executivo de The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam, esclarece os factos em redor da rodagem em Portugal

Agora que assenta o fogo em redor das notícias sensacionalistas que relatavam uma “destruição parcial” do Convento de Cristo, em Tomar, durante a rodagem de Quixote, de Terry Gilliam, vem a propósito a conversa que tivemos com o co-produtor executivo, Pablo Iraola, da produtora portuguesa Ukbar Filmes, no sentido de precisar e esclarecer as notícias proferidas no programa Sexta às 9, na RTP, na passada semana, nomeadamente o efeito especial com fogo no Claustro da Hospedaria, perto da Janela Manuelina. Detalhes técnicos que Pablo fornece baseados na sua própria experiência e nas fontes de técnicos habituados a lidar com situações idênticas.

Durante cerca de 30 minutos de conversa telefónica, Iraola falou ao Insider explicando alguns dos elementos reportados no comunicado oficial divulgado pela Ukbar Filmes, complementando com documentos que também partilhamos.

Terry Gillian, realizador de The Man Who Killed Quixote

Afinal de contas, após este episódio que motivou apaixonados comentários e acusações baseadas em notícias já repetidamente refutadas, acabamos por beneficiar de uma autêntica lição de cinema, ao perceber como se produz a construção um vistoso efeito especial para cinema, provavelmente o mais espetacular do filme de Terry Gilliam, como a queima de uma estrutura com 12,30m onde estava depositada uma imagem (a “Santa Catártica”), com uma base de 6,40m de diâmetro. Afinal de contas, uma descrição técnica como as que normalmente ocupam a publicação especializada American Cinematographer. Nesse sentido é absolutamente relevante o esclarecimento do supervisor de efeitos especiais Reyes Abades, colaborador habitual de Pedro Almodóvar (nomeadamente em Julieta, Voltar e A Pele Onde Vivo) e Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno), entre muitos outros.

De referir que The Man Who Killed Quixote é um projeto que o cineasta americano Terry Gilliam (um dos membros da trupe humorística Monty Python que fez furor nos anos 70) se empenha em realizar há quase vinte anos, apesar da ideia original ser anterior. O filme que teve um período de rodagem em Portugal, nomeadamente no Convento de Cristo, em Tomar, bem como em diversas localidades em Espanha, conta com a participação de um cast de notáveis, como Adam Driver (que veremos em breve em Paterson de Jim Jarmusch), Jonathan Pryce (Brazil: O Outro Lado do Sonho, também de Terry Gillian), Olga Kurylenko (007: Quantum of Solace), Stellan Skarsgard (Millenium), Óscar Jaenada (Piratas das Caraíbas), Jordi Mollà (Riddick) e ainda a atriz portuguesa Joana Ribeiro (Poderosas).

Resta acrescentar que The Man Who Killed Don Quixote é uma variante do original de Cervantes em que um publicitário viaja ao tempo de Quixote e é encarado como Sancho Pança.

Imagem do final do filme divulgada no Facebook de Terry Gillian

A produção esteve a cargo da espanhola Tornasol Films, tendo a portuguesa Ukbar Filmes, de Pablo Iraola e Pandora da Cunha Telles, uma participação de 10%. O filme tem também assegurada a distribuição em Portugal pela NOS.

Tendo por base o vosso comunicado oficial em que são explicados os “danos” causados no Convento de Cristo, em Tomar, gostaria de saber se existe algum dano que não esteja incluído?

O comunicado está baseado na informação do perito do Convento, não um perito nosso, a partir do levantamento que fez quando acabou a rodagem. Temos um orçamento do técnico habitual desse monumento e de outros monumentos em Portugal. O montante total, com a limpeza, são 2.900€.

Em que consistem esses “danos”?

Estamos a falar da ponta de um degrau e de outros pequenos danos. O próprio técnico do convento, Álvaro Barbosa, disse num artigo publicado no Expresso que “não houve as destruições que a reportagem da RTP pretende dizer que existiram”. Em todo o caso, nós assumimos os todos os danos produzidos. Segundo ele, a empresa contratada pelo Convento tomou o registo dos danos – e são esses três pequenos pedacinhos de pedra. À parte das pedras que se referem ao Claustro principal, foi também sinalizada a presença de resíduos (restos de pintura) nas escadas do terreiro Principal e na sala dos noviciados.

Portanto, depreendo que não existam danos que possam lesar esse Património Mundial da UNESCO?

Nada, absolutamente nada. O título da peça da RTP referia: “Destruição parcial do Convento”. É isso que é um absurdo que, basicamente, vai contra a profissão de jornalista.

Foi uma manchete que gerou esta chama de comentários e opiniões…

Vamos lá ver, há má informação e má intenção. Há as duas coisas.

E porque é que achas que existe essa má intenção?

Isso não te posso dizer porque é uma opinião pessoal e não interessa aqui. Mas há claramente interesses criados, de todo o tipo. Se vires o programa vais perceber.

Eu vi o programa do Sexta às 9. E percebe-se no final que existem eventuais índices de corrupção interna.

Mas nada disso diz respeito à produção do filme e sobre isso não tenho nenhum comentário a fazer. Isso corresponde apenas às autoridades.

Façamos então a lista dos danos.

O filme partiu seis telhas, mas são telhas comuns, das que se compras no Aki. Para além dessa meia dúzia de telhas, são esses três pedaços de pedra lascada.

Outro aspeto sensível foi a cena do da queima da figura e a temperatura que, eventualmente, poderia ter lesado parte do edifício.

É importante também. Vou enviar-te também o atestado do experiente técnico espanhol Reyes Abades (ver caixa). Mas não foi uma pira. O problema das piras de madeira é que não tens controle. O que se fez foi uma estrutura de aço, com tubos de gás no seu interior. Essa estrutura estava forrada com madeira com tratamento para incêndio para retardar a combustão. E para que eram as 40 botijas de gás? Como estavam todas ligadas, a ideia era ir abrindo e fechando por forma a dar a sensação de que o fogo ia subindo. Por outro lado, as bocas de gás estavam colocadas em diferentes andares que se iam acendendo por ordem a simular a ideia do fogo que aumentava.  O controlo sobre o efeito foi total, e era visível após o efeito que apenas 180 graus da estrutura apresentavam marcas do fogo, ou seja, apenas a metade que estava voltada para o lado onde foram colocadas as câmaras, os outros 180 graus não apresentavam qualquer sinal de fogo e esse lado era precisamente o lado onde se situa a janela do capítulo (muito longe do local onde esta cena foi realizada).

Assististe à rodagem dessa cena?

Sim, claro. Tal como os técnicos e todos os figurantes. Se fosse um calor insuportável não poderiam estar. E essa cena foi rodada uma única vez. Um take.

Claro, não se poderia repetir a queima da figura Virgem!

Claro! Estamos a falar de cinco minutos de fogo. Todo o processo, desde que começamos com as chamas de baixo até final demorou apenas cinco minutos. Não sei o tempo exato, mas ao redor de cinco minutos. Outra coisa importante é que as bocas de gás estavam colocadas do lado das câmaras, por forma a captar melhor a imagem das chamas.

Onde estavam exatamente as câmaras?

As sete câmaras estavam todas do lado oposto à janela manuelina. Portando se te recordas, se estavas a olhar para a Virgem, as câmaras estavam do lado esquerdo, do lado oposto à Janela Manuelina. No momento em que se cortou o gás, em três minutos estava tudo apagado e molhado.

Não houve nada de anormal nesse processo?

Nada. Correu tudo como o esperado. Cinco minutos para filmar, cinco minutos para arrefecer com água; depois deixou-se que acabasse de arrefecer.

Imagino que a área do claustro tivesse ficado um pouco suja, com a água e todos os materiais que foram queimados…

Não, não! Para não afetar o solo, cobrimos toda a área do claustro com uma alcatifa e uma camada de areia; de modo que a água corria diretamente para a canalização do próprio claustro. Outra coisa, a figura da Virgem foi construída com um gel não tóxico para acelerar a combustão.

Toda a preparação deste efeito especial esteve a cargo do tal espanhol?

Sim, um técnico que tem feito imensos filmes. E foi ele quem fez o filme sobre Teresa de Ávila (Teresa, O Corpo de Cristo, de Ray Loriga, em 2007), onde também se faz uma pira e se queima Teresa no mesmo claustro.

E as árvores?

Sim, as árvores foram plantadas nesses canteiros de pedra, no claustro, onde estava essa pira. Essas foram quatro árvores plantadas para o filme Teresa de Ávila, em 2007. Nós perguntamos se as poderíamos retirar e voltar a plantar, já que não se tratavam de árvores autóctones, mas disseram-nos que não eram do próprio convento. Na verdade, tirámos uma árvore e as outras podámo-las. O próprio convento aproveitou, já depois de termos limpado tudo, para retirar as outras três árvores que tinham sido podadas.

Depois dessa limpeza, ficou tudo como estava? Já vi imagens que mostram o final da rodagem ou o processo de limpeza em que há alguns índices de sujidade.

Foi um processo de limpeza e desmontagem da estrutura de aço em que teve de retirar a estrutura de aço. Para cobrir e proteger tudo, há que desarmar tudo. A ideia era proteger o pavimento de pedra do chão. Esta cobertura era para evitar que a pedra do chão fosse danificada.

Tudo isso estava já previsto no caderno de encargos que apresentaram ao Convento?

Basicamente, o caderno de encargos diz na sua generalidade que tudo tem de ser protegido. Mas isso é já algo que está na consciência de todos nós, pois se trata de um património histórico. Nesse aspeto é fazer o que tiver de se fazer. Não se fez nenhum furo na parede. Para fixar objetos colocavam-se pequenos pedaços de madeira com fita dupla face e penduravam-se os panos e tecidos nas paredes. O que ficou então no fim da nossa intervenção foram essas seis telhas e os três pedacinhos de pedra.

Este valor contabilizado, os 2900€, são então para as telhas e esses reparos na pedra?

Pode parecer um valor insignificante, mas não para um técnico de reparação de monumentos históricos. Basicamente, o trabalho será repor as telhas e colas essas pedras com uma substância tóxica que é usada para reparar monumentos históricos. Este é um processo habitual, porque os monumentos perdem continuamente pedaços de pedra. E o Convento tem um orçamento para restaurar parte da fachada, com um pedido de apoio à Europa, não sei qual dos programas europeus.

Este processo já estava previsto para a produção anterior (a cargo de Paulo Branco)?

Paulo, como estás a gravar, vou dizer-te exatamente isto: o filme é exatamente o mesmo; o guião é exatamente o mesmo. A informação apresentada ao Convento foi exatamente a mesma. Portanto, eles sabiam do que estávamos a falar quando foi feito o filme. O guião não mudou radicalmente e os dias de rodagem eram mais ou menos os mesmos. O filme era igual. Nada mudou. Tudo indica e me faz pensar que o filme é o mesmo, pelo menos na perspetiva do guião. A forma como iriam ser protegidas as coisas já não sei dizer porque não conheço essa parte da produção. O que posso afirmar é que o guião era o mesmo, as solicitações eram as mesmas e o Convento sabia exatamente o que queríamos, pois já havia definido com o Terry e a produção anterior. Apenas de alteraram elementos de pormenor que é normal por ser um produtor diferente.

Por parte do convento tiveram algum sinal de que algo não tivesse corrido bem com esta rodagem?

Não. Pelo contrário. Estavam muito contentes. Colaboraram com tudo e fornecemos-lhes todas as informações sobre o que se iria fazer e como se iria fazer.

Em relação à produção, os valores em causa relacionados com o Convento de Cristo, são os públicos?

Não me lembro do valor exato, porque tem o IVA, mas foram cerca de 170 mil euros. É esse o valor.

Para concluir, como descreverias em geral esta operação de rodagem em Portugal?

Paulo, deixa-me dar-te minha visão das coisas, baseada na nossa declaração. Nós trouxemos a Portugal um projeto que era impensável trazer; uma produção que se tinha ido de facto embora do nosso país. Conseguimos recuperá-la. Foram investidos mais de um milhão de euros em Portugal, com atores, técnicos. A cidade de Tomar ganhou com isso. E cuidou-se ao máximo do espaço utlizado. O que se conseguiu foi fazer em Portugal outra vez filmes desta categoria. Com pessoas de nome internacional, técnicos muito experientes, que trouxe investimento e emprego a Portugal. Todos estão muito orgulhosos por ter trabalhado neste filme. O que se passou ou foi má informação, pu má intenção, ou um pouco de ambas. Nós cumprimos todos os requisitos, com todos os cuidados e regras necessárias e conseguimos fazer um filme que será visto em todo o mundo.

Só para terminar, em que pé está o processo legal que corre paralelamente?

O filme foi terminado em Espanha há alguns dias. É verdade que existem vários processos legais a correr na Europa. No caso português, o que há é uma providência cautelar para suspender a rodagem em Portugal, que obviamente o juiz não aceitou; em França existe um outro processo, em que o mandante é Terry Gilliam que reclama a rescisão de um contrato, que por um tecnicismo legal, em França os contratos não rescindíveis unilateralmente se estiverem registados. O que o juiz basicamente disse foi que não existem motivos judiciais suficientes para cancelar esse contrato de realização. O contrato em discussão de que tanto se fala é só um contrato de realização entre Terry Gilliam e a Alfama Filmes. O juiz diz que não tem argumentos suficientes para rescindir esse contrato, mas também não dá lugar à pretensão da Alfama Filmes quanto a suspender a rodagem e o financiamento europeu, nem a receber qualquer tipo de multa.

Existe alguma providência cautelar que possa adiar, por exemplo, a data de estreia do filme?

Por enquanto não. Há processos em Inglaterra, em Espanha, em França e em Portugal.

São processos entre a Alfama Filmes e o Terry Gilliam?

É bastante mais complicado do que isso. O processo que é mais do meu conhecimento é o processo em que o Terry Gilliam solicita a rescisão do seu contrato com a Alfama Filmes pela demora nas condições, incluindo as financeiras. O que une esses contratos é um contrato de realização, portanto não há contratos de direitos, pois quem os tem é o produtor espanhol, da Tornasol Films, que é quem lidera este novo projeto.

Salvo erro, a produtora portuguesa, a Ukbar Filmes, detém 10% da produção, certo?

A Ukbar Filmes entre neste projeto, salvo erro, desde novembro, fechamos o contrato a 17 de janeiro. Portanto, somos posteriores a qualquer reclamação com o anterior projeto. Sim, somos co-produtores em 10%. Temos o nosso contrato de produção que foi entregue com os direitos e o guião. Por isso estamos absolutamente tranquilos porque fizemos as coisas como deveriam ser feitas. Se existe alguma reclamação de coisas para trás não nos dizem respeito.

 

CAIXA:

TÉCNICO REYES ABADES justifica efeito num mail enviado á produção (que reproduzimos na versão original em espanhol)

Buenos días:
Lamento mucho que haya malas noticias, respecto al efecto de fuego que hicimos en el Monasterio.
Adjunto te detallo el informe sobre la instalación del fuego de “Santa Catártica”:

Se instalaron 40 líneas de fuego en 8 alturas diferentes, detallamos los quemadores que iban en cada planta:
1ª Planta – 7 quemadores, cada uno con llave de apertura y cierre rápido y válvula antiretroceo 2ª Planta – 6 quemadores, cada uno con llave de apertura y cierre rápido y válvula antiretroceso 3ª Planta – 6 quemadores, cada uno con llave de apertura y cierre rápido y válvula antiretroceo 4ª Planta – 5 quemadores, cada uno con llave de apertura y cierre rápido y válvula antiretroceso 5ª Planta – 5 quemadores, cada uno con llave de apertura y cierre rápido y válvula antiretroceo 6ª Planta – 4 quemadores, cada uno con llave de apertura y cierre rápido y válvula antiretroceso 7ª Planta – 4 quemadores, cada uno con llave de apertura y cierre rápido y válvula antiretroceso 8ª Planta – 3 quemadores, cada uno con llave de apertura y cierre rápido y válvula antiretroceso

Las líneas de fuego las encendíamos e íbamos subiendo planta por planta, poco a poco. Una vez que llegábamos a la 4ª planta, se iban apagando las plantas anteriores, para poder seguir subiendo y dar la impresión de que el fuego es el que iba avanzando hacia arriba. En ningún momento las 40 líneas funcionaban a la vez, por lo que el riesgo, estaba controlado 100%.

Como medidas de seguridad, teníamos 2 circuitos de agua que rodeaban todo el decorado, conectados a dos motobombas Ziegle, que a su vez, estaban enganchadas a una cisterna de agua de 12.000 litros.
Teníamos 24 extintores de CO2 repartidos por todo el perímetro de la plaza donde estaba la “Santa Catártica”.
A su vez, había una dotación de bomberos prevenidos en el mismo decorado por si era necesaria su intervención.

Tal y como se comprobó in situ, no fue necesaria la intervención de los bomberos, ni el sistema de seguridad de reserva que teníamos preparado por si surgía algún imprevisto, pues no hubo tal riesgo, ni tal necesidad.

Me sorprende un poco que ahora salga esta noticia, ya que es falsa. Nadie puede decir que aquello fuese una locura, pues en todo momento, estuvo todo muy, muy controlado, porque además, es nuestro trabajo, es nuestra obligación y a eso estamos comprometidos.

Para información de la periodista en cuestión, te comento que hace unos años y en ese mismo Monasterio hicimos un fuego grande para simular la quema de una persona y no tuvimos ningún problema.

Mi empresa ha hecho muchos fuegos en distintos lugares muy importantes de España, como en el castillo de Belmonte, castillo de Gerona, la catedral de Salamanca, el teatro romano de Mérida, etc…. En fín, muchos lugares en los que hemos tenido toda la seguridad y prudencia que nuestro trabajo y el entorno en el que lo hacemos, ha requerido y requiere.

Espero que esta información te sirva de ayuda para clarificar un poco nuestra forma de trabajar y que las malas noticias (si encima son falsas) sean corregidas.

Sin más, recibe un saludo

Reyes Abades

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