Sexta-feira, Abril 19, 2024
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Esta Terra é Nossa: Quando a ficção é a realidade mal disfarçada

Membros da Frente Nacional mostraram-se críticos antes mesmo da estreia deste filme que fala sobre a ascensão de um partido de extrema-direita no norte de França. Com a 2ª volta das presidenciais francesas à porta, o novo filme de Lucas Belvaux não podia ser mais atual.

Basta mudar o vocabulário e manipular o discurso para convencer um eleitorado confuso e pouco esclarecido. O programa do partido? Isso não interessa nada, “ninguém o lê”. São as regras do jogo para o Partido Nacionalista que seduz uma jovem enfermeira a fazer parte dele, subjugando-a a uma mudança de visual e tornando-a uma pupila da personagem Agnès Dorgelle (Catherine Jacob), uma sócia de Marine Le Pen. Não admira que a nova longa de Lucas Belvaux esteja a chatear o partido – o  real – francês. Afinal, este filme de ficção trata a ascensão do populismo de extrema-direita em França, numa prova de que o cinema francês (neste caso é uma produção franco-belga) está cá para nos retratar o mundo hodierno. Por terras gaulesas a obra estreou-se em fevereiro, a dois meses da corrida ao Eliseu. Choveram críticas quanto ao timming – em plena campanha presidencial – e o realizador não se livrou da acusação de estar a fazer propaganda anti-Frente Nacional. Num cenário incendiário, Belvaux atirou mais uma acendalha para a fogueira, contestando que este não é “tanto um filme anti-FN como um filme sobre o discurso populista”.

“Chez nous”, no seu título original, acontece numa pequena cidade no norte da França. Pauline (Émilie Dequenne, a Rosetta, do filme com o mesmo nome, dos irmãos Dardenne, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, edição de 1999) é uma enfermeira que trabalha ao domicílio, sendo respeitada e adorada pela comunidade. Até ao dia em que um médico, amigo da família, a convida para se candidatar à Câmara Municipal pelo seu partido. E se por um lado a ingenuidade de Pauline é comovente ao início, depressa se torna profundamente angustiante vê-la ser puxada por como se fosse uma marioneta.

Violência, tensões sociais, discriminação racial, hipocrisia política, divergências morais: são temas que cabem nestas quase duas horas que só pecam por um final que nada tem de apoteótico. Perante um clima absolutamente fervilhante, fica-se a salivar por algo mais que, na verdade, não chega.

Esta Terra é Nossa é um drama, mas é também um retrato, um filme que olha para o atual contexto político em França e cuja urgência não deve ser menosprezada. “Não te apetece agitar as águas?” pergunta o médico a Pauline. Quiçá seja esse um dos objetivos de Chez nous.

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