Quinta-feira, Março 28, 2024
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Jonathan Rosenbaum: “Fazer crítica de cinema não é a mesma coisa que critica de filmes”

 

O crítico e ensaísta americano passou por Lisboa para apresentar na Cinemateca (de 6 a 10 de fevereiro) uma retrospetiva dedicada ao cineasta austríaco Erick von Stroheim.

Um programa que inclui uma seleção de alguns dos seus principais filmes, como Blind Husbands (O Abismo), de 1919, Foolish Wives (Esposas Levianas), de 1922, Greed (Aves de Rapina), de 1924, The Wedding March (Marcha Nupcial), de 1928, e Queen Kelly, de 1928. Todas as sessões terão acompanhamento musical de piano e uma sessão de conferência, apresentada e comentada por Jonathan Rosenbaum.


Jonathan Rosenbaum é considerado um dos maiores comentadores e ensaístas de cinema da atualidade, com uma longa carreira que se estende ao longo de diversas publicações e uma vasta obra literária. Foi colaborador regular do jornal Chicago Reader, Village Voice, bem como nas revistas Cahiers du Cinéma, Sight & Sound, Trafic, Cineaste e Film Quarterly. Editou ainda diversos livros, como Moving Places ou Hello Cinephilia, para além de estudos particulares sobre os filmes Greed, de Stroheim, e ainda Dead Man, de Jim Jarmusch.

Na nossa saborosa conversa aproveitámos a oportunidade para perceber o atual lugar da crítica (e do crítico), os desafios lançados pela facilidade da internet e o imediatismo das redes sociais. Uma conversa em que tivemos também a sombra tutelar de JLG.

 

Não é a sua primeira vez que o Jonathan vem Portugal, nem a primeira em que apresenta um pequeno ciclo aqui na Cinemateca (em Junho passado apresentara um dedicado a Orson Welles na secção Histórias do Cinema).

É verdade. Na verdade, quando me convidaram para fazer essas palestras, o primeiro cineasta que propus foi o Stroheim. Na altura ficaram algo hesitantes, mas agora o José Manuel (Costa, diretor da Cinemateca) mudou de ideias. Apesar de me considerar um estudioso de Welles, não sou propriamente um estudioso do Stroheim. Mas interesso-me muito sobre a sua obra que me coloca alguns desafios fascinantes enquanto crítico.

Que aspetos do trabalho de Stroheim o fascinam mais? A narrativa, a realização, o trabalho de ator?…

São aspetos diferentes. Um dos desafios maiores é termos de usar a sua biografia para o compreendermos melhor. Mas, ao mesmo tempo, trata-se de um homem misterioso. Não sabemos que aspetos são ficção e que aspetos são realidade.

Na verdade, a sua própria vida era um pouco ficcionada…

Exatamente. Ele desenhou a sua vida como um trabalho artístico. Isto ainda antes de se interessar pelo cinema. A ficção começou antes. Outro aspeto que me fascina é usar a autocrítica nos seus filmes, algo que também uso nos meus trabalhos. Seja ator ou não, os seus filmes são sempre autobiográficos e autocríticos.

Greed (1924)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Falemos então dos filmes que vai apresentar na Cinemateca. Desde logo Greed e Foolish Wives, duas obras-primas, mas também dois filmes severamente cortados e mutilados para versões mais curtas.

Sim, Greed e Foolish Wives são dois dos seus melhores filmes. Mas no que diz respeito aos cortes, acho que Foolish Wives foi ainda mais afetado que Greed. Sim, esse é um problema e um desafio também. No entanto, mais importante que isso, acho que ele compreendeu as pessoas melhor do que muitos realizadores modernos, como o Steven Spielberg, o Martin Scorsese ou o George Lucas, por exemplo… (risos) É incrível, porque apesar de não se tratar de um intelectual, o seu trabalho interessa-me muito.

Enquanto crítico e estudioso, consegue detetar alguns pontos de contacto entre Welles e Stroheim?

É claro que o Welles também era autocrítico.  Eram ambos autocríticos, algo que foi usado contra eles. Por exemplo, Welles era considerado um pouco intelectual, algo que os americanos detestam. Já, Stroheim era equiparado a personagens autoritárias alemãs e austríacas. Apesar de serem personagens que ele próprio odiava, essa proximidade com a personagem acabou por se lhe colar. Em ambos os casos foram pessoas em que a persona se confundia com o ator. Algo que acaba por funcionar contra eles na sua própria mitologia. Porque são ambos figuras mitológicas. Por acaso, até tive ocasião de conhecer o Welles.

Sim? E quando se deu esse encontro?

Foi quando vivia em Paris, em meados dos anos 70. Por acaso, um dos primeiros artigos que escrevi foi sobre o projeto que ele sobre Heart of Darkness. Por acaso, ao perceber que ele também estava em Paris nessa altura, a editar o F, for Fake, decidi escrever-lhe uma carta breve, sem acreditar que poderia ter uma resposta. Até que um dia em que tinha estado toda a noite a escrever eis que toca o telefone e a secretária dele me se pergunta se queria almoçar com o Sr. Welles… (risos)

Foolish Wives (1922)

Fascinante. Por falar no início da sua carreira, sei que teve a oportunidade de estar desde sempre perto de salas de cinema, devido ao trabalho da sua família. Mas quando foi que sentiu a vontade de escrever sobre cinema e perceber que esse poderia ser o seu modo de vida? Isto ao contrário de escrever sobre literatura, afinal de contas a sua formação.

Comecei como escritor, escrevi alguns poemas quando era ainda muito jovem. No final da minha adolescência comecei a escrever romances, mas que nunca cheguei a editar. Apenas vendi um conto de ficção científica a uma revista do género. Foi a minha única venda.

Foi mais complicado para si escrever romances ou escrever sobre cinema, crítica de cinema? Isto numa altura em que não era como hoje em que tudo tem um lado mais imediato e também mais efémero…

Não é mais difícil, e acho que será diferente para cada pessoa. É claro que para mim se tornou mais fácil escrever sobre cinema pela proximidade que tinha por a minha família ao gerir uma pequena cadeia de cinemas. Por isso vi muitos filmes.

Ver filmes, escrever críticas, frequentar festivais, é quase um estilo de vida. Digo isto porque é um pouco o que faço também. Sente que vive um pouco num universo de fantasia?

Uma das minhas máximas é uma frase magnífica de Yeates “in dreams beging responsabilities”. Por isso gosto de pensar que essa parte de sonho não chega. Preciso de ligar o cinema à vida. Um pouco como fiz no meu primeiro livro Moving Places, em que a minha vida é contada um pouco através dos filmes. Entretanto, ao longo da minha carreira fui-me afirmando mais como autor de culto do que propriamente como autor mainstream. Gosto disso, porque muitas vezes as pessoas preocupam-se mais com a quantidade do que com a qualidade.

É verdade. Especialmente hoje em dia em que tudo é medido por ‘likes’, por quem manda a notícia em primeiro lugar de algo que aconteceu há segundos. Torna-se difícil de digerir seja o que for. Acha que a atividade crítica evolui também dentro desse escopo?

Se calhar teremos de distinguir a crítica de cinema enquanto uma atividade séria, de coisas mais populares como as previsões dos Óscares da Academia, no fundo, aspetos mais relacionados com o mainstream. Acho que fazer crítica de cinema não é a mesma coisa que criticar de filmes.


Por exemplo, parece-me que a crítica americana por vezes é capaz de criar certos consensos em filme que por vezes não nada de especial…

Por exemplo, nesta época de prémios há filmes muito populares de que gosto, como o La La Land e o Moonlight. Mas, por exemplo, Manchester By The Sea não gosto nada, apesar de ser um grande fã do filme anterior do Kenneth Lonergan. Por um lado, é interessante perceber como existe por vezes algo quase tribal como certos filmes são por vezes abraçados por tanta gente. Por exemplo, não consigo perceber o entusiasmo que quase toda a gente tem por Toni Erdmann

É engraçado, pois devo dizer que não sou grande fã de La La Land, mas que aprecio bastante Toni Erdmann (risos). Lá está, é aqui que as opiniões e os pontos de vista criam um diálogo e uma discussão.

Sim, é incrível como os consensos por vezes se formam.

É o que sucede tantas vezes no final das projeções em Cannes, em que inevitavelmente começa a formar-se uma certa opinião sobre um determinado filme quase como se fosse um vírus.

Sim, gera-se sempre um buzz

Casa de Lava, de Pedro Costa (1994)

Já que está aqui em Portugal, gostaria que se referisse um pouco ao nosso cinema. Sei, por exemplo, que aprecia bastante o trabalho do Pedro Costa…

Sim, gosto bastante, de resto é um amigo. Isto apesar de não ter propriamente uma noção mais ampla do cinema português, porque não vi filmes suficientes.

Acha que o cinema do Pedro Costa é aquele que mais se aproxima ao trabalho de um crítico de cinema? Faz algum sentido dizer isso?

Sim, porque ele é um cinéfilo. Ainda que não escreva crítica de cinema, eu aprendo enquanto crítico. Acho que tem uma perceção muito aguda do cinema. O mesmo se passa com o Straub. Gosto em particular de Casa de Lava e ainda de Cavalo Dinheiro. E também o filme sobre Straub-Huillet (6 Bagatelas, de 2001). Outra coisa que eu gosto no cinema dele, e de resto em geral, é o cinema em que o documentário e a ficção de confundem.

Seguramente, algo que não se diria do cinema de Manoel de Oliveira, já que é mais influenciado pela literatura e pela arte em geral.

Para mim, como eu vejo o Manoel de Oliveira é como um modernista do século XIX (risos).

Apesar de estarmos aqui na Cinemateca, falemos um pouco das formas alternativas de divulgação do cinema, situações em que podemos ver, por exemplo, um filme através de um screener, um link, no nosso portátil. Choca-o essa diversidade, por oposição ao grande ecrã do cinema?

Enquanto crítico é muito útil ter cópias digitais. Isso permite-nos ter um controlo semelhante a um livro, em que podemos voltar a trás e (re)ver o que queremos de uma forma mais pormenorizada. Em todo o caso, acho também que os elementos sociais também se alteraram. No entanto, ir ao cinema continua a ser um elemento social, mesmo que seja visto em casa. Hoje até podemos vê-lo sozinhos, mas se o discutirmos no Facebook ou em outras redes sociais torna-se social também. Esse é um aspecto que alterou também de certa forma o ato de fazer crítica. Por outro lado, permite-me ver filmes mais antigos que não temos oportunidade de ver nos cinemas.

 

Diria até que o Jean Luc-Godard continua a ser um dos cineastas mais modernista que temos. Mesmo com todos estes elementos sociais de que falava, do que muitos cineastas contemporâneos. Concorda?

Absolutamente. Ainda ontem ouvi de alguém que estava a trabalhar no seu próximo filme e que esta será ainda mais experimental. É incrível como ainda continua a estar à frente de todos os outros.

Por acaso tem mesmo o cartaz do A Bout de Soufle atrás de si. Um filme que continua igualmente moderno?

Sem duvida. De resto, foi simboliza o início do movimento da nouvelle vague, onde começou também a primeira geração de críticos de cinema e historiadores que se tornaram realizadores.

Não diria que, de certa forma, a verdadeira crítica de cinema começa aí mesmo?

Sim, a crítica de cinema aos filmes. De certa forma, o Godard nunca deixou de ser um crítico e os seus filmes mostram isso mesmo.

Para concluir, nos dias de hoje quais são as qualidades que considera serem mais relevantes para ser um crítico de cinema?

Eu acho que um crítico é alguém que leva a público a discussão sobre um filme. Ainda que ache que esta seja uma discussão começa mesmo antes do próprio crítico. E prolonga-se depois do crítico. Se o crítico for bom, a qualidade e a longevidade da sua crítica prolongam-se também no tempo.

Considera ser a subjetividade a parte de leão da crítica?

Acho que não será sequer uma escolha, é algo necessário. Ainda que a objectividade seja objectivada. Por outras palavras, é necessário sabermos o que é objetivo e o que não é objetivo quando lemos uma crítica. Acho que não há aqui uma escolha. É importante saber o que vem da subjetividade, o que vem de informação etc.

Greed (1924)

Terminemos também com Stroheim e com a sua apresentação aqui na Cinemateca. Quais considera serem as principais qualidades4 deste cineasta que importará destacar e descobrir neste pequeno ciclo?

Acho que já mencionei o facto de como ele compreende o ser humano. Outra coisa que gosto muito dos seus filmes é a intensidade. Eu venho da literatura e o Stroheim vem também da literatura. Acho mesmo que a densidade ficcional do romance acho que está no centro do génio de Stroheim. Isso é o que é mais excitante, porque não existem muitos realizadores contemporâneos que tenham essa capacidade.

 

 

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