Terça-feira, Março 19, 2024
InícioCinemaAma-San: as sereias também cantam karaoke

Ama-San: as sereias também cantam karaoke

Classificação: ***

Ama-San é um filme japonês português. Sim, Cláudia Varejão ficou fascinada por estas mulheres japonesas pescadoras e fez-se literalmente à estrada para captar essa realidade no litoral japonês. O resultado tem encantado públicos em festivais em todo o mundo. Piscámos-lhe o olho em Istambul, depois confirmámos a sua presença na programação de Karlovy Vary e, finalmente, no DocLisboa, onde este documentário viria a ganhar a secção competitiva nacional.

Este é um filme sobre ritos e rituais, sobre a tradição ancestral da pesca artesanal do marisco e sobre todos os preparativos que antecedem esta atividade milenar praticada por mulheres que já ultrapassaram a meia idade e, em muitos casos, percebemos que são mesmo idosas. As mesmas que veremos depois a tratar dos netos e a cantar karaoke. Mas já lá vamos.

Uma das cenas mais belas de Ama-San mostra o extremo cuidado com que uma Ama (literalmente, mulher do mar) vai dobrando sobre a cabeça o lenço creme que lhe cobre o cabelo. As dobras, os laços, a forma precisa como este elemento é colocado. As outras mulheres vão ajudando para que o resultado final seja perfeito.

Afinal de contas, estamos no Japão, mais precisamente na península de Ise, onde estas Ama-San vão mantendo vivo o mergulho em apeneia para pescar moluscos diversos. A portuense Cláudia Varejão observou de perto esta atividade compondo este belo registo documental, complementado por um levantamento fotográfico e etnográfico complicado num livro de edição limitada. O resultado é Ama-San. Tem de se ver.

De alguma forma, este registo faz-nos recordar um outro filme belíssimo sobre a atividade marinha, Rabo de Peixe, de Joaquim Pinto, ou até, se quisermos, a atividade replicada em É o Amor, de João Canijo. Mas não estamos bem aí. Até porque isto é o Japão, o que nos empurra para um cenário e cultura diferentes. Algo que a câmara de Cláudia Varejão soube aproveitar em seu benefício. Ajuda-a o facto de ser fotógrafa e de saber explorar os espaços com a devida distância, mas não sem captar de forma coerente a vida destas mulheres. Dir-se-ia com um respeito semelhante à câmara de Ozu. É o amanhar do pescado, o trato doméstico com os mais novos, o cuidado com as refeições, bem como o divertimento sereno a cantar karaoke,  como que a evocar os antepassados. E há ainda as belas imagens subaquáticas. Na verdade, quanto mais vemos (ou mergulhamos) mais pequenos tesouros vamos encontrando neste muito belo filme português japonês. Em que as sereias também cantam karaoke.

RELATED ARTICLES

Mais populares