Quinta-feira, Março 28, 2024
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O Clube: s pecados escondidos da Santa Madre Igreja Católica

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Estreia finalmente o magnífico e pecador O Clube, de Pablo Larraín, numa altura em que o realizador chileno já deu a conhecer o seu mais recente trabalho Neruda, exibido no passado Festival de Cannes. No entanto, esta estreia só peca por tardia, ainda que extremamente oportuna pois trata-se de um filme incontornável, um dos melhores que vimos o ano passado e justo vencedor do Prémio do Júri, em Berlim, em 2015.

Na entrevista que o realizador nos concedeu em Cannes, em 2012, por altura do lançamento de Não, sobre a campanha eleitoral do referendo para a manutenção no poder do ditador Augusto Pinochet, Pablo avisara que terminaria ali a sua trilogia sobre essa página negra da história chilena. No entanto, percebe-se agora, que é difícil dissipar todos os fantasmas e o trauma do passado que ainda hoje é difícil de superar. Neste caso, com os padres proscritos a quem foram associados crimes da carne, de pedofilia, e que foram aconselhados a habitar um ‘retiro’ afastado da sociedade. É a esse Clube que Larraín nos convida. Ainda que muitos de nós não estejamos preparados para entrar.

Sim, trata-se de um filme marcado pelos pecados velados da Santa Madre Igreja Católica que apenas vem confirmar a pujança do cinema que nos chega daquele país cuja forma alongada abarca perto de quatro mil quilómetros de distância, mas com menos de duzentos de largura. Essa mesma cinematografia que relevou também este ano a Cannes o novo filme do incontornável Alejandro Jodorowsky, Poesia Sin Fin. E que já no ano passado nos dera o assombroso O Botão de Nácar, de Patricio Guzman, mas também Gloria, de Sebastian Lelio, um dos melhores momentos de Berlim 2013, isto para não esquecer também Sebastian Silva, autor de Nasty Baby. Entre todos eles subsiste a particularidade de existir uma enorme partilha e colaboração de projectos a diversos níveis onde Larraín e o seu irmão produtor Juan de Dios têm o devido peso.

O Clube cartazO Clube abre com um grupo de homens, mas também uma mulher, que se divertem numa corrida de galgos e que partilham a mesma casa onde especulam sobre as capacidades do seu ‘campeão’, o Rayo, em conversas amenas acompanhadas por vinho e onde se especula o valor do animal bem como o das apostas.

Esse grupo de homens é defendido pelas interpretações de Alfredo Castro, uma presença obrigatória nos filmes de Larraín, Jaime Vadell, Alejandro Goic e Alejandro Sieveking, devidamente coadjuvados por uma mulher (Antonia Zegres, esposa do realizador).

Até aqui tudo bem. Mas quando percebemos que estes, afinal de contas, se tratam de sacerdotes, o interesse é reforçado, e ainda mais ao ficar a par das acusações de pedofilia a um deles, descrito de forma detalhada à porta daquela casa por um pobre coitado de nome Sandokan (Roberto Farias) que diz ter sido abusado durante anos. Incapaz de lidar com o vexame, o ‘curita’ aponta uma pistola à têmpora e dispara. Naturalmente, tal episódio traz àquela região remota, bem distante de Santiago, o padre Garcia (Marcel Alonso), com a missão de regenerar essa casa de ‘curas’ afastados da sua missão espiritual por acções menos dignas.

Entretanto novas regras passam a entrar nesta casa de ‘retiro’: tolerância zero ao álcool, nada de cães de corridas, oração e penitência. Neste guião original alinhavado pelo próprio Larraín, em parceria com Guillermo Calderon e Daniel Villalobos, deixa debaixo de fogo cerrado a santa madre igreja católica no Chile. De facto, um retrato algo sinistro da instituição que esteve também na base da educação de Pablo que recria esta espécie de mosteiro de luxo para proscritos. Mas um clube onde se passa a debater com alguma abertura a forma como é encarado o sexo com homens ou mesmo com crianças ou como o sexo entre homens pode ser defendido e considerado superior ao sexo com uma mulher, apenas com fins reprodutores.

Não deixa de ser salutar que O Clube aborde um tema tão complexo e perigoso com uma salutar aproximação que não está sequer isenta de um sentido de humor sibilino e perspicaz. Até porque esta narrativa incómoda vem envolvida num estilo visual que pôs de lado a alta definição e que impregna um aspecto mais cru e sujo, mas também mais verdadeiro, ao filme, a cargo da fotografia de Sergio Armstrong. O mesmo se diga da acertada selecção musical a cargo de Alvo Part na descrição deste clube muito especial.

Nota: A nossa avaliação de * a *****

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