Terça-feira, Abril 23, 2024
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Michael Douglas: “O Oliver Stone tem uma mentalidade de trincheira”

“Ganância é bom!”, dizia em 1987, no filme que lhe deu o Óscar de Melhor Actor; agora, 2 anos depois, ouve-se: “Mais, é melhor!” Isto até ao crash de 2008, que justificou esta sequela. Gordon Gekko está mais sábio. E mais grisalho. Depois do aplauso na sessão do festival de Cannes, fomos apertar a mão ao verdadeiro Gordon Gekko. 

Em vez do sol morno dessa manhã, o vento e o frio visitou a cabine de madeira no jardim do luxuoso Hotel du Cap, a dominar a imensa propriedade no Cabo de Antibes, a escassa quinzena de quilómetros de Cannes. A ideia era entrevistar a figura que fora capa da revista Vanity Fair de Abril e da GQ americana de Maio e tentar identificar as mudanças entre o primeiro e o segundo filme. Apesar das marcas da idade, a imagem de Michael Douglas pouco difere da de Gordon Gekko. Talvez até por este homem detido durante oito anos trabalhe a sensatez e a ponderação, em vez da ganância. O actor também pouco mudou. Admite ter menos papéis de que outrora, mas sente as compensações da estabilidade da vida familiar ao lado de Catherine Zeta-Jones e dos seus dois filhos.

De fato de linho no mesmo tom azul dos olhos e uma camisa rosa, Michael fala daquilo que sabe. Vive cinema desde que despertou para a vida e observou o pai Kirk, tornou-se num produtor de mérito próprio e ganhou um Óscar de Melhor Actor, precisamente pelo papel de Gordon Gekko. Percebe-se que regressar ao pape, ainda por cima quando as circunstâncias tornam essa oportunidade numa obrigação.
A produção de Wall Street 2: O Dinheiro Nunca Dorme começou por ser uma iniciativa do próprio Michael Douglas e do produtor Ed Pressman que apresentaram o projecto a Oliver Stone, em 2006; seria revisto e reescrito em 2008, já na ressaca do crash bolsista. Era algo que tinha de ser feito, admitiu o próprio realizador. Era um pouco como esta entrevista: tinha de ser feita.

Com o filme de 1987, o Michael tornou-se num ícone entre os  tecnocratas de Wall Street. Considerou perigoso voltar a este tema 23 anos, sobretudo numa altura de uma enorme crise?
Tudo é difícil com o Oliver… (risos) Estou a brincar. Não, ele deu-me um dos melhores papéis da minha vida e que resultou num Óscar. Permite-me regressar agora, 23 anos depois. O que não há para gostar, não é? É verdade que na altura estava em alta e agora acabo de saio da cadeia. As coisas são diferentes.

Teve oportunidade de falar com alguém que tivesse estado preso por crimes económicos?
Tive, sim senhor.

E o que retirou dessa experiência que o pudesse ajudar a criar a sua personagem?
A verdade é que quem está na prisão tem muito tempo para pensar. Eu tive a oportunidade de falar com um inside traders médios, um que condenado a cinco ou seis anos de prisão. Mas é verdade que na cadeia há tempo para digerir as coisas. E uma delas é precisamente escrever um livro. Foi o que fez o Gordon Gekko. Isso serviu de terapia. E não só.

Não concorda que esse tempo passado na prisão os poderá tornar mais amargos em vez de mais seremos?
Há uma combinação de ambos os sentimentos. A minha personagem tem reacções diferentes consoante as pessoas. Por exemplo, o Bretton James (administrador de uma importante sociedade bancária, interpretado por Josh Brolin) tem a ver com essa pessoas em particular.

O Michael teve a oportunidade de contribui com sugestões narrativas para desenvolver o arco da sua personagem?
Sim, claro. Mas eu sempre faço sugestões de guião. Eu sou um estruturalista à maneira antiga. Veja bem, eu venho da televisão, onde fiz a série Streets of San Francisco. Era uma série com um prólogo, quatro actor e um prólogo. E produzi 104 horas. De estrutura sei eu muito. Por isso dou sempre boas sugestões…
O filme tem também excelentes bons diálogos…

Sim, mas isso eu não faço. Isso é apenas bom argumento.
O penteado que usou na altura, com o cabelo puxado para trás e fixado com brilhantina, também criou uma moda. Agora surge um pouco diferente, mas nota-se o estilo. Isso foi pensado assim?
Sim, o Gekko é um tipo muito personificado, tem o seu look. A verdade é que toda a gente gostava deste vilão.

Só que ela agora não tem nada…
Sim, quando regressámos à personagem percebemos que o Gekko não tinha nada. Não tinha dinheiro, perdeu a filha. Está na posição oposta de quando começou.

Acha que existe ainda margem para Gordon Gekko poder ser ainda visto dessa forma?
Vão vê-lo agora a uma luz diferente. Pelo menos no final. Mas quando eu próprio me preparava para fazer esta sequela perguntava-me como o Gekko iria reagir. Mas, acho, no final acaba por fazer a decisão correcta.

Como explica que hoje muita gente considere este homem com uma espécie de Deus?
Não consigo explicar, a não ser que nessa altura toda esta gente estivesse na escola de gestão. Possivelmente, seriam os que controlavam a Goldman Sachs e todas as companhias que se afundaram no crash. Parece que ninguém aprendeu nada. A ganância não acabou.

Como produtor, acha que Hollywood se tornou um pouco como Wall Street? Com menos regras e menos moral?
Há uma separação maior. Com todo o respeito, acho que a Fox teve uma grande coragem em fazer este filme. Não sei de muitos estúdios que o fizessem. É um filme adulto. Os filmes de estúdio começam a produzir com 60 milhões, sem contar publicidade; depois temos os filmes independentes, com 12-15 milhões. E depois há uma barreira enorme daqueles filmes que não conseguem orçamento.

Acha que a receita do tipo de filmes que fez nos 80 e 90, tipo Instinto Fatal, mais baseados na realidade, já não fazem sentido? 
Não, acho que a TV por cabo toma conta desse segmento.

Fale-nos um pouco da sua actividade caritativa e desarmamento nuclear?
Eu sou Mensageiro de Paz das Nações Unidas. Somos 6 ou 7 pessoas: o Daniel Barenboim, o George Clooney, o Paulo Coelho, a Jane Goodall, Midori Goto, Yo-Yo Ma, a Chalize Theron, entre outros. Cada um de nós tem a sua área e eu estou encarregue do desarmamento nuclear. Foi nomeado em 1998 e trabalho para que os EUA cumpram as suas responsabilidades nas NU. Temos um acordo entre os EUA e a Rússia e que tem de ser ratificado. Trabalho com eles para que o seja. Trabalho também com Israel, o Paquistão e a Índia, para a não proliferação de armas nucleares. Temos dois foras-de-lei, que são a Coreia do Norte e o Irão. São tempos difíceis e processos lentos.

O Oliver é conhecido por testar os actores e levá-los aos limites. Acha que essa dinâmica se alterou de um filmes para o outro? Estão agora mais brandos um com o outro?
Nem por isso (riso). Ele também fica nervoso. O primeiro WallStreet foi um filme para muito importante. Mas nessa altura, o Oliver já tinha feito o Platoon, onde ganhou o Melhor Filme e Realizador; já tinha feito O Expresso da Meia-Noite. Já estava um pouco mais à frente quando me chamou. Mas é difícil. Ele tem uma mentalidade de Vietname, de trincheira. Mas há muito respeito. Se bem que agora ele está mais calmo. Acho que agora o compreendo melhor. Mas ele trabalha todos os aspectos do filme. E apesar de tudo não havia nenhuma dia em que não íamos sair a um clube beber um copo. Só que na manhã seguinte eles ainda ia reescrever diálogos. Gora, ele é um tipo atormentado. Não sei como ele é capaz de fazer tudo o que faz…

O Michael chegou a investir no mercado bolsista?
No mercado bolsista? Claro, eu cheguei a investir nos mercados tecnológicos no final dos anos 90, por volta de 98, 99. Pelos menos ate à crise de 2008, que foi uma experiência traumática. Hoje entrego os meus investimentos aos especialistas e preocupo-me mais com a minha mulher e os meus filhos.

Por falar nisso, lembro-me de ter estado consigo em no festival de Deauville, em 1998, com o filme Um Homicídio Perfeito, numa altura em que também lá estava a Catherine a promover o A Máscara de Zorro. E lembro-me de me ter dito que tinha conhecido uma actriz incrível, lembras-se? 
Sim, lembro-me. Foi em Deauville que conheci a Catherine. Foi uma agradável surpresa. Lembro-me que tomámos um copo e jantámos…

Olhando para trás, até que ponto este encontro acabou por mudar também um pouco a sua vida? 
Foi em 1998 e agora estamos em 2010, já lá vão mais de dez anos, não é? Não tem sido mau. A Catherine é uma óptima esposa e os meus filhos também. Digamos que foi uma década boa.

O Michael está com 65 anos. Tem se apercebido de uma menor oferta de papéis para interpretar?
Obrigado, por me recordar a idade… Como sabe, à medida que ficamos mais velhos vemos reduzidas também as ofertas. Há menos papéis de estúdios, a não ser que seja um vilão; o mesmo se passa com os filmes independentes que têm mais problemas em sobreviver à crise económica.

É verdade que vai fazer Liberace. O que pode dizer sobre esse projecto?
Vamos começar a rodagem em 2011, por volta desta altura (Maio). O Steve Soderbergh vai realizar. Sou eu, o Matt Damon e o Jerry Weintraub produz. O guião é do Richard LaGravenese. Vai ser um filme charmoso e cheio de vida.

 

Paulo Portugal, Cannes
Publicado na revista GQ
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