Sexta-feira, Abril 19, 2024
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Jason Reitman: “A Personagem do George Clooney foi inspirada em mim”

Paulo Portugal, em Londres
O vencedor do Globo de Ouro para o Melhor Guião, partilhou com o Jornal i, no dia em que fez 32 anos, a sua vontade imensa de evasão. Isto apesar da euforia provocada em redor da comédia dramática “Nas Nuvens” – primeiro com os Globos de Ouro e, em breve, com os Óscares -, o obrigarem a ter os pés bem assentes na Terra. Um grande filme para ver, a partir desta quinta-feira, nas salas de cinema
A história de um homem que ganha a vida a retirar aos outros o seu emprego foi considerada a melhor pelos membros da imprensa estrangeira radicados em Hollywood, atribuindo-lhe o respectivo Globo de Ouro. Na conversa que teve com o i, em Outubro passado, durante o BFI Festival de Cinema Londres, Jason Reitman mostrou de onde lhe vem essa verve criativa, o estilo espevitado e o olhar certeiro na escolha dos actores com quem trabalha. Foi assim com Aaron Eckhart (“Obrigado Por Fumar”), nomeado para um Globo de Ouro (2005), Elen Page (“Juno”), nomeada para um Globo de Ouro e Óscar (2008) e também com o trio George Clooney, Vera Farmiga e Anna Kendrick em “Nas Nuvens”, ambos nomeados para os Globos e já prometidos para os Óscares.
No filme que agora estreia, George Clooney faz mais do que interpretar a personagem de Ryan Bingham, um executivo de uma agência que se encarrega do “trabalho sujo” de despedir funcionários, assegurando-lhes até que essa é “uma oportunidade” de alcançar novos voos. Em tempos de crise, aumenta na mesma proporção o trabalho de circular entre aeroportos e acumular chorudas milhas no cartão de passageiro frequente. É prercisamente “nas nuvens” que conhece Alex (Vera Farmiga), uma “alma gémea” com quem combina encontros amorosos. É até ela quem o declara: “Eu sou como tu, só que com uma vagina”… Só que essa vida privilegiada está prestes a ser abalada com a evolução “via internet” do sistema de despedimentos propostos pela jovem ambiciosa Natalie (Anna Kendrick, a mostrar que é uma autêntica força da Natureza), decidida a fazer carreira e a superar o “velho”.
Uma coisa é certa, ao terceiro filme, Reitman (filho do também realizador Ivan Reitman) é inegavelmente um dos nomes que mais promete na parte da indústria americana não apenas vocaionada para fazer “blockbusters” sem alma.
Foi no elegante Hotel Mayfair, no coração do bairro mais elegante da capital britânica, que cumprimentámos um sorridente e descontraído Jason Reitman. De barbinha rala, camisa de flanela de xadrês enrolada até aos cotovelos e um rasgado sorriso nos lábios. De facto, o homem tinha boas razões para sorrir: o filme fora recebido com furor na antestreia realizada num cinema de Leicestrer Square. Não poderia ser uma melhor prenda de anos…
i – Parabéns Jason. Mas que ideia esta de obrigarem a falar à imprensa no dia do seu aniversário…
Jason Reitman – Pois, tem toda a razão (risos). Mas, sabe, já tive a melhor prenda de anos – tomei o pequeno-almoço com os Chemical Brothers. Foi muito cool. Portanto, já ganhei o dia…
Concordo. Bom, olhando para os seus três filmes, percebemos que abordam, de uma forma só aparentemente ligeira, questões morais importantes. Foi o caso da gravidez juvenil (“Juno”), o acto voluntário de fumar – que chega a ser tabu nos EUA (“Obrigado por Fumar”) – e agora o distanciamento pessoal e o desemprego em “Nas Nuvens”. É um instinto seu abordar a sociedade dessa forma?
Não, não é importante. Eu é que gosto do lado truncado da vida. Por uma razão qualquer que desconheço, sou atraído por esses temas. Aborrece-me quando leio guiões que não têm substância ou não têm um tema; por outro lado, quando leio algo que me desafia, ou que desafia a forma como as pessoas pensam, isso já me entusiasma. Por exemplo, interesso-me muito mais depressa por temas de religião ou questões raciais. Abordo muito mais depressa um tema que divida as pessoas, do que propriamente crie consensos. Por exemplo, nunca farei uma comédia romântica. Acho que não tenho nada a dizer sobre isso.
É verdade que levou algum tempo – alguns anos mesmo – a escrever o guião. De que forma a recessão económica alterou o que escrevera?
Bom, o livro é sobre um tipo de despede pessoas como modo de vida. Por isso já vê. Isso fazia-lhe parte do sangue da personagem. No entanto, o meu guião é bastante diverso do livro. Para ter uma ideia, a Alex (Vera Farmiga) não está no livro, a Natalie (Anna Kendrick) não está no livro, os despedimentos online não estão no livro, as fotografias de viagem falsas não estão no livro, o discurso da mochila não está no livro…
Mas o que está então no livro?…
O livro é sobre um tipo que anda de cidade em cidade a despedir pessoas e acumula milhas de forma obsessiva. Filosoficamente, ele quer viver sozinho e andar de avião. De aeroporto em aeroporto. Eu gosto disso. Pessoalmente, foi um espaço e um tempo que me permitiu abordar questões complexas sobre a minha própria vida. De certa forma, eu criei a minha própria história. Os despedimentos estiveram sempre lá, mas o livro foi escrito no ano 2000, no pico no boom económico. De forma algo paradoxal, a recessão criou um tornou o tema muito mais interessante.
Durante o seu processo de escrita do guião, chegou a ter dúvidas do que estava a escrever?
Sim, tive dúvidas sérias. Mas acho que isso será comum a muitos escritores – terem dias em que pensam que são génios e outros em que não merecem segurar numa caneta. Isso sucede comigo: às vezes chego a pensar que sou o maior contador de histórias, como achar que preferia morrer agora antes de fazer um filme mesmo bera.
É verdade que usou verdadeiros desempregados nos depoimentos que vemos a certa altura no filme?
Sim. Tudo partiu de uma ideia inicial de fazer um documentário sobre o desemprego. Coloquei um anúncio no jornal a pedir depoimentos e fotografias de pessoas desempregadas e lá fui recebendo o material. Numa primeira fase, essas cenas foram escritas com um sentido cómico, do tipo de humor que usei em “Obrigado por Fumar”, num estilo de sátira corporativa; entretanto passámos de um boom económico para a maior recessão de que há memória.
Foi complicado passar da fina ironia para o registo mais realista e dramático?
Não. O outro filme nunca seria tão sofisticado. Olho agora para “Obrigado Por Fumar” e fico orgulhoso do que fiz, mas não está muito bem feito, pois foi o meu primeiro filme. Agora cresci e amadureci como realizador e mais complexo enquanto ser humano.
Como partiu para uma abordagem do papel ao George Clooney? Confirma que foi um passo ousado da sua parte…
Sim, pode ter sido, aliás, foi mesmo. Mas a verdade é que ele adorou a história. Foi demasiado simples. Leu, gostou e declarou: “contem comigo”
Como foi esse encontro?
Foi engraçado, porque nessa altura eu estava em Itália e ele convidou-me para o visitar na casa do Lago Como. Quando lá cheguei, ele foi simpático, pediu-me o guião e pura e simplesmente desapareceu durante um bom par de horas. Quando finalmente regressou, disse que tinha gostado e que aceitava fazer o filme.
Assim, sem mais?…
Sem mais. Aliás, ele foi extremamente generoso com a sua personagem. Nunca tive de fazer qualquer reparo, nem ele teve qualquer hesitação.
O George foi a primeira escolha?
Foi a única escolha. Foi apenas nele em que pensei mal comecei a escrever o guião.
Não tinha nenhum plano B?
Não. Bom, se ele não quisesse talvez pudesse chamar, sei lá, o Elijah Wood…
(Risos) Li algures que é também um grande fã desportivo. Por exemplo, está a ver-se fazer um filme sobre desporto?
Talvez. Adoro hóquei e adoro basquetebol e basebol. Mas se fizesse um filme sobre desporto, provavelmente falaria das vidas dos jogadores. Gostava de abordar a ideia de como alguém vive um menos de terço da sua vida em glória e outros dois terços a tentar compreender o porquê. Mas não sei se faria um filme sobre desporto.
Falando de sucesso prematuro, como encarou o estatuto de culto gerado por “Juno”?
Foi assim: mal acabei o filme percebi que o filme seguinte só poderia ser um falhanço… É curioso porque eu costumava fazer atletismo e antes de uma prova ficava sempre muito nervoso, até ao tiro de partida. Mas logo que começava a correr tudo isso me passava. É o mesmo que sucede com a realização. “Juno” foi um fenómeno, até pelas receitas que gerou, mas também pela banda sonora e os prémios. Dai pensar que só poderia baixar a fasquia. Entretanto começo a escrever e tudo começa gradualmente a tomar forma. Por isso aqui estamos.
Aprendeu alguns truques com o seu pai (o realizador Ivan Reitman)?
Claro. Ele é o meu herói. Ensinou-me imenso.
Qual terá sido a maior lição que lhe deu?
A maior lição terá sido quando me disse. “enquanto realizador, o teu barómetro para a comédia nunca deverá ser superior ao teu barómetro para a verdade; por isso, quando estiveres no set, nunca peças para fazer algo divertido, mas sim algo honesto. Quando estiveres a observar os actores, tens de sentir que isso é real. Isso irá definir o resto do teu filme”.
Posso perguntar-lhe se sempre seguiu os conselhos dele? 
(risos) Acho que sempre os segui.
E com que idade viu “Os Caça-Fantasmas”?
Vi o filme quando estreou, claro. Tinha seis anos.
Desta vez, o seu pai participa também como produtor neste filme. É a primeira vez que colaboram de uma forma tão próxima?
Bom, a verdade é que eu lhe mostro tudo o que faço desde os tempos em que lhe mostrava os trabalhos de casa. Não é que lhe tenha escondido os meus filmes, mas sempre quis fazer a minha própria carreira como realizador e ser independente. Por isso, fico muito orgulhoso por ter o nome dela ao lado do meu neste filme.
Porque levou tanto tempo – foram seis anos? – a escrever este filme?
É que sou um escritor lento… (risos) Eu comecei a escrever este guião porque na altura ninguém queria fazer “Obrigado Por Fumar”. Entretanto, “Juno” apareceu na minha vida. Era um guião tão bem trabalhado que eu percebi que se não fizesse esse filme, arrepender-me-ia para o resto da minha vida. Foi então que regressei ao guião e finalmente o terminei.
Neste momento, está já a trabalhar em algum guião?
Sim, estou a adaptar um livro da Joyce Maynard e a colaborar com a Jenny Lumet (“Rachel Getting Married”) num outro guião.
E do que trata o guião de Jenny?
É sobre relações inter-raciais em, Nova Iorque.
E irá realizar esse filme?
Espero que sim.
Pensou alguma vez num final diferente para o filme?
Este foi sempre o final. Este filme não necessita de um final feliz. Acho que um final feliz seria uma solução fácil e acho que diria menos do que este diz. Vamos lá ver: eu queria fazer um filme onde o protagonista, mas também o público, se apercebesse da ideia de comunidade e do companheirismo, mas tudo isso através da perda. Há muitos filmes que nos fazer ficar apaixonados porque é isso que vemos no ecrã. Mas eu queria fazer um filme nos fizesse sentir a vontade de comunicar com os outros porque sentimos no filme a dor de estar só. E queria que as personagens sentissem isso também. Por isso, levei-os numa viagem – foi quase um truque – usando elementos de comédia e de romance, mas para depois os sentir magoados. Porque é só quando sentimos essa dor que desejamos alcançar os outros. Por isso é que o filme termina nas nuvens, num momento de reflexão. Não é importante para onde o George vai. Ele já teve a sua epifania. Irá encontrar alguém que ame ou continuará o resto da sua vida. Mas as nuvens serão um momento de reflexão para todos nós sentirmos o que queremos levar na nossa pequena mala de viagem, saber o que queremos da nossa vida.
Vê o filme como um acordar para a vida?
(risos) É interessante, não tinha pensado nele assim. Mas quem sabe, talvez. Veja bem, o que eu quero é que os meus filmes funcionem como espelhos. Espero que cada um de nós se reveja. Eu não quero mudar as pessoas. Aliás, ficaria infeliz se o fizesse. Acho que muitos realizadores trabalham como se soubessem as respostas. Eu tenho apenas 32 anos, mas já percebi que a vida é bastante complicada e que não existem respostas. É essa a verdade. O que quis foi tentar compreender um ser humano complicado e tomar um momento para pensar como isso se reflecte na vossa própria vida.
No filme, a personagem do George fala muito nos objectos essenciais que transportaria numa malinha de viagem ou numa mochila. Pergunta: o que transportaria o Jason na sua mochila?
Na minha mochila? A minha mochila está a minha mulher, a minha filha, o nosso cão, e todos os filmes que ainda não pude ver. E são muitos filmes.
Sente que a sua vida mudou desde que nasceu a sua filha?
Percebi agora um sentido para as coisas que não supunha existir antes de ser pai. Percebi também o que era o medo verdadeiro. Eu achava que sabia o que era ter medo, mas enganei-me. Só depois de a ter é que percebi. Só quando percebemos que somos responsáveis por um outro ser humano é que nos apercebemos. Nós nunca somos responsáveis pela nossa mulher. Mas somos responsáveis pelos nossos filhos. Isso dá-me um enorme orgulho, mas também me aterroriza.
Essa sensação alterou de alguma forma a sua maneira de ver o mundo e até mesmo o seu trabalho?
Acho que experimentei mais vida. Isso só me complicou, mas espero ter muito tempo para superar isso.
Considera mais fácil realizar uma história que também escreveu, ou mais difícil?
O que acontece é que quando estou a realizar algo com diálogos meus, estou mais à vontade para os alterar. Por exemplo, no guião da Diablo (Cody, autora de Juno), não permitiria que ninguém alterasse uma palavra. É quando filmamos os diálogos de outra pessoa é quase como se carregássemos o seu filho ao colo.
Onde é que vai buscar as personagens que escreve?
Alimento-me de mim próprio. A personagem do George foi inspirada em mim. E a Natalie é muito parecida coma minha mulher. Durante a minha vida fui-me apaixonando por diversas mulheres brilhantes, sendo que a minha mulher foi a última. Tanto a Alex como a Natalie foram explorações de mulheres que foram sempre demasiado inteligentes para o meio em que estavam. No fundo, o problema ou a desvantagem de ser uma mulher esperta.
E quais são então as suas semelhanças com a personagem do Clooney?
Eu gosto de estar só. E gosto de voar. Quando voamos é como se descolássemos de nós próprios e da nossa vida.
No entanto, agora tem uma família. Não pode descolar assim tanto…
Esse é a parte mais interessante. Eu tenho uma vida bastante completa. Tenho uma bela mulher, uma filha, uma casa óptima, faço o que quero e trabalho com imensa paixão. No entanto, continuo a vaguear por aeroportos e a olhar os destinos imaginando como seria acordar em Tulsa, só e sem nada. O que isso significa para mim, é que todos nós ponderamos a possibilidade de estarmos sós, de deixar tudo. Eu tive a curiosidade de descobrir o porquê.
Diga lá, qual é então o número de milhas no seu cartão de passageiro frequente?…
Hummm… Isso é uma pergunta pessoal! (risos) Digamos que voo mais de 100 mil milhas por ano. Voo mesmo muito. Tenho o cartão mais elevado da minha companhia. E não sei porquê continuo obcecado por acumular milhas… É absurdo, eu sei… Por isso, voltando à semelhança com a personagem do George, eu sei o que ele é, porque eu passei por isso.
E o que faz com as milhas?
As milhas são o próprio objectivo! (risos) Não sei, as vezes compro viagens aos meus pais para me visitarem. Mas o importante não é o que se fazem com as milhas. Porque é que as pessoas coleccionam selos? Não sei. Enchemos a vida com porcarias. É para isso que serve a mochila…Queremos que as nossas vidas sejam completas e plenas, mas não conseguimos enchê-las com coisas sentido.
A Anna (Kendrick) é uma revelação! O que descobriu nela que o levou a querê-la no seu filme?
Eu vi-a no filme “Rocket Science” e achei que era uma revelação. Era uma voz completamente original na sua geração. E uma actriz excepcional. O meu único medo é que ele poderia não conseguir mostrar o mesmo sentimento num outro filme. Mas ela veio e arrasou na sua audição. Para mim, a Anna é como a Ellen Page; é uma voz dentro dela própria.
Ele conhece toda a América, mas afinal não conhece nada O que vê é a América do alto. Conhece os aeroportos.
Falar de Óscares para este filme não parece ser um tiro no escuro… Acho mesmo possível: para si, o George, guião, o George…
Estamos em Outubro, ainda falta tanto tempo… Mas, sim, seria bom.
Ficaria surpreendido ao ver nomeações aos Óscares para as prestações de George e Anna, mas também para si e, já agora, para o filme?
Não sei. Ainda estou em choque por ter sido nomeado por “Juno”, por isso já não sei o que pensar. O que estou é muito orgulhoso do trabalho deles. Eles merecem-no. Não só o George tem uma enorme prestação, como também faz uma coisa que muitos actores teria pudor em fazer, que era uma análise interior. Seja algo absolutamente pessoal ou uma persona, o que ele fez foi agarrar nessa ideia e desconstruí-la no filme. E fê-lo de uma forma inequívoca e destemida. Acho que é a prestação da vida dele.
E a Anna?
A Anna é espectacular e mudou o filme. Ela é electrizante. Ela teve um papel muito complicado para a idade dela. Até porque não há nenhum papel na idade dela que não implique apaixonar-se. E ela abraçou uma personagem que não é o estereótipo da beleza, mas adorável. Não conheço nenhuma outra que fizesse melhor esse papel.
Mas arrisca-se a ver reconhecido o seu guião e a sua realização…
Sim, eu sou um génio e um dos maiores realizadores de todos os tempos, mas (risos) não vou falar disso… E temos que acabar, é isso? (reage ao aviso da publicista de que acabou o tempo) Então vou-me embora com esta nota. Perfeito! (risos) Bom, muito obrigado.

 

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